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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: Ciclo de Krebs

A torra do café e a acidez

Ensei Neto

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Convivendo com verdadeiros mestres do churrasco no Brasil, Uruguai e Argentina, construí um aprendizado maravilhoso sobre carnes, fogo e manejo. 
Parece trivial, no entanto há um profundo tratado técnico sobre a escolha das carnes para cada finalidade, por exemplo, entre um cozido e um grelhado. 

Naturalmente, tudo começa pela seleção da raça do gado, que pode ser decisiva para um excepcional resultado no prato. O gado zebuíno tem como característica acumular gordura na parte externa das peças, como pode ser observada num clássico contra filé, enquanto que raças como Angus também acumulam gordura no tecido, formando desenho cujo contraste lembra o do mármore, daí receber o adjetivo “marmorizada”. Nesse quesito, o gado japonês Wagyu é considerado por muitos especialistas o melhor do mercado.

Para preparar um cozido de panela, a escolha recai para carnes fibrosas como o músculo, enquanto que as mais irrigadas, como a sempre magnífica dupla filé e contra filé do corte chamado Bife Ancho tem de ir para a grelha sobre fogo forte. A inversão leva a resultados medíocres nos sabores e texturas.

Turma de Coffee Hunters 2016 torrando cafés para avaliação sensorial.

Turma de Coffee Hunters 2016 torrando cafés para avaliação sensorial.

Um dos temas mais discutidos ultimamente entre os coffee experts de plantão tem sido sobre a acidez do café. Algumas pessoas acreditam que a acidez de um determinado lote de café é determinada na torra, tanto para que se ressalte quanto para se minimizar sua presença. Porém, da mesma forma que no caso das carnes, tudo depende para o que você pretende fazer. Em uma linha mais direta, o que  importa é, como sempre, a matéria prima.

Para uma melhor compreensão do que estou comentando, é fundamental saber como os ácidos são formados na semente do cafeeiro. Existem 4 ácidos que podem fazer parte da composição das sementes: o Cítrico, que é o mesmo do limão e da laranja; o Málico, encontrado também na maçã e na pêra, e que quando percebido na bebida é um sinalizador de cafeeiros plantados em grandes altitudes; o Lático, fundamental numa coalhada e no iogurte, que é incorporado na semente em processos fermentativos; e, finalmente, o Fosfórico, que faz parte da formulação das bebidas de cola, sendo característico de cafés de grande altitude do Kenya.

Existem outros ácidos que podem ser encontrados na bebida, porém em grande parte são defeitos ou que simplesmente se decompõem durante o processo de torra.

O cítrico é único ácido presente em 100% das sementes do cafeeiro (e dos seres vivos em geral), sendo produzido através da respiração.

Esse processo é conhecido como Ciclo de Krebs e acontece em estrutura das células conhecida por Mitocôndrias. O que basta saber sobre esse emaranhado de reações químicas e bioquímicas é o fato de que tudo começa com uma molécula de Glicose (lembre-se que este açúcar é o combustível dos seres vivos de nossa Natureza) sob regime aeróbico, ou seja, que exige a presença do Oxigênio, com o objetivo de gerar energia para as funções de vida.

Assim como nós, o cafeeiro pode se ressentir do calor excessivo ou do frio intenso, sendo que o calor excessivo é o principal fator estressante. 
Você já percebeu que quando o dia está muito quente, ficamos mais cansados? 
Na falta de um ar condicionado para nos refrescar, o cansaço vem rapidamente...
Isso porque boa parte da energia do nosso corpo é usada para a manutenção de nossa temperatura corporal, que é em média de 36,6ºC. Ter um equipamento de ar condicionado é ótimo, mas tem o seu custo. No caso dos seres vivos, a conta tem de ser paga também para que a temperatura se mantenha estável, daí o cansaço extra.

É por isso que devem ser feitos estudos agroclimáticos para a seleção de locais de plantio de diversas culturas, incluindo-se o café. Caso a conclusão de que num determinado local as plantas ficarão muito tempo estressadas, não vale a pena prosseguir, pois como resultado o produto certamente será de qualidade inferior.

Resumidamente, se as sementes são de lavouras cujas plantas passam por mínimos momentos estressantes, terão como acumular ácido cítrico em maior quantidade e, portanto, apresentar maior acidez na bebida. E, por tabela, também haverá um excelente perfil de açúcares formado.

No processo de torra, cada evento químico ou bioquímico é perfeitamente definido e, por isso, mapeado, que é o princípio que aplico nos cursos de Ciência da Torra do Café.  Complementarmente, fazemos a Calibragem Sensorial da Acidez com modelos calculados matematicamente a partir da concentração de ácido cítrico em diferentes momentos do processo de torra. 

As propriedades físico químicas do ácido cítrico, por exemplo, podem ser encontradas em livros acadêmicos ou num aplicativo de Inteligência Computacional que recomendo fortemente, o Wolfram Alpha.
Por exemplo, você encontrará numa consulta esta importante informação: o ácido cítrico se decompõe a 175ºC nas Condições Normais de Temperatura e Pressão/STP. Ou seja, quanto mais tempo o processo de torra do café permanecer acima dessa temperatura, fica claro que uma notável diminuição do ácido cítrico ocorrerá. 
Muitos profissionais da torra acreditam que para se evidenciar a acidez de uma bebida basta finalizar o processo utilizando a visualização da cor externa das sementes, no ponto chamado de “torra clara”.

Gráfico Visual vrLink.

Gráfico Visual vrLink.

A bem da verdade, a contribuição da cor superficial das sementes é menor que 10%, portanto, é com a coloração da estrutura interna que define a cor da torra, que pode ser medida pelo sistema SCA-Agtron, entre outros, que utiliza uma escala de cores que vai de #95 a #25, sendo a de valor numérico maior mais clara, enquanto que a de menor valor, mais escura. Essa verificação de cor deve ser feita com as sementes torradas moídas finamente e compactadas, pois os sistemas de análise de cor se baseiam nas freqüências de luz refletidas por uma superfície plana. 
Na maior parte das vezes, uma torra excessivamente clara é simplesmente subtorrada, pois, apesar de apresentar bebida com acidez cítrica brilhante, há um desequilíbrio com a formação de açúcares, resultando na presença do gosto de celulose (papel molhado) quando o café esfria.

A manutenção da acidez da bebida está, sim, ligada à técnica de torra empregada. Se a acidez percebida for a licorosa, tanto melhor!

Subtropical, Serjão, Subtropical! – 5

Thiago Sousa

A seleção boliviana de futebol, mesmo os clubes daquele país no caso da Copa Libertadores da América, sempre marca seus jogos em cidades de grande altitude, como La Paz, que está localizada acima dos 3.000 m acima do nível do mar. Isso não é por acaso…

O ar rarefeito daquela altitude faz com que a sensação de peso seja menor (a bola atinge velocidade maior do que num jogo de praia…), bem como para os jogadores não adaptados, traz dificuldade para respirar depois de uma corrida. As elevadas altitudes afetam o metabolismo, sendo ideal uma respiração mais pausada.

A respiração mais lenta devido às grandes altitudes tem impacto considerável nas plantas também.  O ar rarefeito tem sua relação entre o Oxigênio e Nitrogênio alterada, ficando o oxigênio com menor presença, o que obriga os seres vivos a respirarem ralentando como forma de adaptação.

A respiração tem ligação direta com o chamado Ciclo de Krebs, responsável pela geração de energia para realizarmos as mais simples atividades como piscar, que, de forma simplificada, contribui para a formação de ácidos importantes no café, principalmente o Ácido Cítrico e, secundariamente, o Málico.
A respiração lenta dá condições de maior acúmulo desses ácidos, sendo que o Ácido Málico é indicador de cafés cultivados em grandes altitudes.

A temperatura ao longo do ano tem impacto direto no Ciclo Fenológico da fruta do cafeeiro, que vai da florada ao ponto cereja.

É interessante observar que as necessidades variam em cada fase desse ciclo. O início, que é a florada e sua fecundação se dá com temperaturas não tão elevadas e ar com umidade relativa média a alta. Na fase da “Adolescência”, umidade elevada e temperaturas mais elevadas é um conjunto que se torna tudo de bom para as frutas do cafeeiro. Chegando na fase do amadurecimento, o ideal é ter um ambiente com temperaturas mais baixas e menor umidade, que coincide com o final do Verão e início do Outono. Se compararmos com o nosso ciclo de vida, essa fase corresponde a quando queremos estabilidade e tranqüilidade, combinando com o momento em que temos a verdadeira percepção das coisas da vida. Ou seja, é quando começamos a ficar mais sabidos

Ficarmos mais sabidos, como digo, é quando passamos a observar as coisas sob perspectiva mais sofisticada, enxergando sutilezas imperceptíveis quando somos mais jovens. Por exemplo, não é mais a quantidade de garrafas de cerveja tomadas num encontro de amigos da faculdade que importa, mas a gama de sabores que um mestre cervejeiro imprimiu em uma determinada marca e podemos perceber.

Prazer é qualidade, não quantidade!

O mesmo efeito que a grande altitude provoca na forma de respirar, obrigando-a mais lenta por ajustes fisiológicos, é observada quando o ciclo fenológico é alongado em razão das temperaturas do local. E aqui a Latitude tem papel muito importante.

Nas regiões Subtropicais as menores temperaturas adequadas à agricultura ocorrem nas áreas mais baixas. É o efeito dinâmico das correntes de ar.

Observe este Gráfico Sensorial de um lote de café produzido na Fazenda Califórnia, em Jacarezinho, no Norte Pioneiro do Paraná. Dos oito cafés apresentados como um painel dos cafés dessa origem, este era o que  disparadamente tinha a maior intensidade de acidez, que combinada com uma doçura de excepcional proporção,  se mostrou licorosa, impressionando a todos. A surpresa foi ainda maior quando souberam que esse lote de café foi produzido no local mais baixo de todos os apresentados, abaixo de 500 m de altitude.

Subtropical!

Assim disse ao Companheiro de Viagem Sérgio Parreiras Pereira, mais conhecido por Serjão do IAC(Instituto Agronômico de Campinas), sobre qual seria a razão determinante de toda a riqueza de sabores e intensidades que puderam ser experimentadas nos cafés do Norte Pioneiro do Paraná.

As xícaras de cafés dos diferentes produtores comprovaram tudo isso!