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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

HISTORIA

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A verdadeira história da qualidade do café no Brasil

Ensei Uejo Neto

Existe um clássico mantra de que se bebe café de qualidade inferior no Brasil porque os melhores grãos são exportados.
Tenha ciência de que este mantra é comum em praticamente todos os países produtores de café e que esta percepção é predominante na maior parte da população e que foi gerado em razão de um princípio básico: para vender bem, é importante que o produto seja bom.
Porém, em nosso país, a história vendida sobre a qualidade do café é a de que sempre foi ruim, o que não é verdade.

Há um cuidado importante que é o de manter a história a ser contada sob diferentes visões para que apenas uma versão, nem sempre verdadeira, prevaleça.  

Anos atrás, ainda nos anos 1960, bebia-se cafés de muito boa qualidade dentre os produtos encontrados nas “vendinhas” e “mercadinhos” da época. O modelo de supermercados e hipermercados que conhecemos hoje surgiram somente nos anos 1970.

Haviam marcas, algumas vivas até hoje, que vendiam grãos que eram moídos no momento da venda, fazendo o aroma se espalhar por todo o local. Ícones como Pilão, Jardim e o Seleto, este com um jingle que se tornou sinônimo de “o som do café da manhã”, faziam parte deste ritual. Eram anos românticos…

 Em 1972, ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo, controlado pelos países árabes produtores e que, em razão da Guerra do Irã, diminuíram a oferta, causando forte impacto econômico global.
Alvoroço nas bolsas, inflação disparando em todos os países dependentes do petróleo e uma insegurança em relação aos preços dos alimentos comum somente em tempos de guerras globais.

 O Brasil, como reflexo disso e de uma série de fatores políticos da época, sob a ditadura militar, depois de alguns anos de muita prosperidade, experimentou um longo período de alta inflação até 1994, quando o engenhoso Plano Real a domou.

 Nesse período de horrores da economia, a “Cesta Básica”, criada no governo de Getúlio Vargas, era um indicador de preços compostos por itens que deveriam manter uma família padrão alimentada dignamente por um mês. O café sempre fez parte da cesta básica por ser um produto presente em praticamente todos os lares junto do arroz e do feijão.

Com a “inflação galopante”, que viria se tornar hiperinflação, e suas inimagináveis para hoje variações de até 3% num mesmo dia (sim, os preços mudavam ao longo do dia todo dia!), o governo da época, como alternativa para evitar convulsões sociais, passou a praticar o “congelamento de preços”, principalmente aos itens da cesta básica. Tudo essa manobra era feita para acalmar a população.

Do outro lado, configurou-se um perfeito desastre para as empresas cujos produtos faziam parte da lista dos “preços congelados”, pois os custos continuavam a crescer devido à inflação, enquanto os preços de venda não poderiam ser alterados, ficando as empresas passíveis de serem enquadradas como praticantes de “crime contra a Economia”.

Grãos crus defeituosos.

Esse descompasso abissal de preços (imagine só: custos de produção e despesas aumentando por efeito inflacionário, enquanto o preço de venda não poderia se alterar!) fez com que os empresários decidissem por estratégias de sobrevivência, ou seja, substituindo as matérias primas originais por outras muito inferiores. Devido a essa piora do café cru, que compunha os blends, outro procedimento foi alterado: a torra do café, que passou a ganhar contornos mais intensos, chegando aos grãos chamuscadamente queimados.
Foi o início do café Extra Forte, cujo sabor carbonizado se sobrepunha aos outros defeitos de bebida, muitos da categoria Defeitos Capitais, o conhecido PVA – Preto (Podre), Verde (Imaturo) e Ardido (Acético ou Vinagre), que desqualificam a bebida.

 A qualidade do café no comércio em geral passou a declinar assustadoramente.

 Em 1989, a ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café teve a iniciativa de começar a reverter essa situação, com a introdução do Selo de Pureza, que indicava se um produto estava isento de impurezas. Impureza é tudo que não é da semente do cafeeiro como paus, pedras e sua casca externa.

Em 2.004, foi momento de outra iniciativa pela ABIC, desta vez com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade por meio do PQC – Programa da Qualidade do Café, que instituiu a classificação do produto torrado em Tradicional, Superior e Gourmet. Ao mesmo tempo, foi publicada pelo MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Normativo Nº 8, que definiu e os critérios para a classificação da matéria prima ou café cru, além de estabelecer o que é fraude como a inclusão de impurezas e elementos estranhos como o milho.

 Ao mesmo tempo, o movimento dos Cafés de Especialidade, que no Brasil ficou conhecido como Café Especial, se expandiu criando ambiente para novamente ter a oferta de produtos de excelente qualidade.

Em 2023, a Norma 570 do MAPA passou a valer, regulando os cafés torrados, os processos de fabricação, e, também, os grãos crus, tornando-se instrumento fundamental para punir produtos fraudados.   

 Como cereja do bolo, a ABIC completou seu PQC com a inclusão da categoria Especial, que são cafés de alta qualidade, sem adstringência (aquela famosa “aspereza” na boca) e defeitos de bebida, como os defeitos capitais PVA.

É importante observar que para consertar um desvio como o que foi criado por questões de política econômica, populista e sem critérios razoáveis, que corresponde ao “quanto pior, melhor”, a retomada para a qualidade exige muito empenho na educação do consumidor, na transparência das transações comerciais entre produtores e o mercado e, principalmente, oferecer produtos acessíveis para que o mercado prospere e não, apenas, cresça.

O caminho da qualidade a ser percorrido é longo, porém as estradas estão abertas, a sinalização está se tornando mais clara e tem muita gente pronta para mostrar o que temos de melhor nos Cafés do Brasil.

 Três considerações finais:

 1. Leia os rótulos. Saber a qual categoria o produto está classificado já é importante passo para consumir com consciência.

 2.Experimente sempre. Evoluímos ao experimentar mais. Somos a soma do que vivenciamos.

3. Confie nos seus sentidos. Sempre. Sua percepção é somente sua.

O caminho de retomada da qualidade, mesmo entre os cafés do segmento mais competitivo, já está sendo feito.

Sobre os desafios da produção de café – 1

Thiago Sousa

Depois de um longo silêncio, devido a um período particularmente intenso de trabalhos, volto a escrever pedindo, antes de mais nada, desculpas pela demora.

Porém, o que chamou a atenção nessas últimas atividades foi a sempre angustiante pergunta feita por produtores e alguns pesquisadores sobre como lidar com os Desafios da Produção de Café. Resolvi dar minha contribuição com esta série.

Como se sabe, o café é uma bebida classificada como Produto de Território porque sofre influência direta de sua Localização (que leva em conta a Latitude, a Altitude e Modelo de Exposição ao Sol onde a lavoura está plantada), sua Botânica (porque cada variedade, devido à sua carga genética, tem um modo particular de, digamos, trabalhar…) e o Manejo (que são as técnicas e tecnologias empregadas pelo produtor).

Ao mesmo tempo, devido à sua gigantesca produção, colocando-se como o segundo produto mais comercializado no mundo, as sementes cruas do cafeeiro, conhecidas no mercado internacional como GREEN COFFEE, faz parte do grupo das chamadas Mercadorias Comuns ou Commodities.

As Commodities são regidas por duas leis implacáveis, formuladas por grandes pensadores da Economia: a primeira diz que “a incorporação de tecnologias permite o aumento constante da produtividade”, enquanto que a segunda lei, “em decorrência da Primeira Lei, os preços tendem a ficar mais baixos”.

Se observarmos a evolução da cafeicultura ou seu modelo de produção a partir dos anos 1970 sob a ótica da Primeira Lei, que se refere à incorporação de tecnologias, no Brasil  ela se comportou perfeitamente!

Naquela época, a Geografia da Cafeicultura do Brasil se concentrava entre os Paralelos 21o  e 23o Sul: Sul de Minas, Mogiana, Alta Paulista e o pujante Norte do Paraná. Em 1975 ocorreu uma das maiores geadas de todos os tempos, arrasando boa parte da produção do café brasileiro, principalmente das áreas mais distantes da Linha do Equador.

Cafeicultores do Paraná se deslocaram em massa para outras localidades, traumatizados com os estragos do frio invernal, começando a se fixar na pontinha mineira do Planalto Central, que ficou conhecida como Cerrado Mineiro. Cidades como Araguari e Patrocínio receberam grandes levas de produtores paranaenses e também da Alta Paulista, onde recomeçaram sua missão de produzir o Negro Vinho.

Áreas planas, extensas a perder de vista; clima estável com apenas duas estações, a chuvosa e a seca. Esse foi o ponto de partida do novo desafio: desbravar o Cerrado, a nova fronteira da cafeicultura.

O modelo de plantio mais comum de cafezais no Norte do Paraná e na Alta Paulista, regiões que são bastante próximas, era o chamado Quadrado: as covas onde as plantas eram fixadas formavam quadrados com lado em torno de 3,6 m a 4,0 m, sendo que colocava-se de 2 a 4 plantas de café em cada cova. Se fizermos uma conta rápida, verifica-se que a densidade populacional de cafeeiros (fazendo as contas pelo número de covas) era muito baixa: meras 625 covas por hectare (lembrando que 1 ha = 10.000 m2). Mesmo com 2, 3 ou 4 plantas por cova, o desempenho da lavoura não era tão bom porque problemas com as plantas invariavelmente aconteciam.

Foi quando ganhou importância os estudos com espaçamento e o aumento da densidade populacional saltou rapidamente: plantios mais modernos, conhecidos como Em Renque, ou seja, quando os cafeeiros formam uma fila, se tornaram predominantes, fazendo com que essa população por unidade de área passasse para números expressivamente maiores, como 2.500 plantas/ha, 3.500 plantas/ha e até 5.000 plantas/ha.

O Rearranjo Espacial foi suficiente para que a produtividade aumentasse dramaticamente em pouco mais de 15 anos, saindo de pouco mais de 6 sacas de 60 kg/ha para 16 sacas/ha. Já no final dos anos 90, a média de produtividade de café do Brasil começou a se aproximar das 20 sacas/ha.

O plantio Em Renque permitiu que rapidamente um Segmento de Apoio à produção se desenvolvesse: a Mecanização.

O final dos anos 1980 e meados de 1990 foi um período muito fértil no surgimento de tecnologias para os trabalhos de campos. Adubadeiras, aplicadoras de calcáreo, pulverizadores e até colheitadeiras surgiram a partir da percepção da indústria e seus “Professores Pardais” de que a mecanização nas lavouras era um caminho sem volta. Até porque, ainda que pontualmente, era notado um fluxo crescente de trabalhadores do campo para as cidades.

Os dados do IBGE mostram claramente que o Brasil naquela época estava consolidando seu perfil populacional como (quase) estritamente urbano, quando mais de 70% da população do pais vive nas cidades.

Aumentar a produtividade, atendendo à Primeira Lei das Commodities, naquele período se deu exclusivamente pelo Rearranjo Espacial.

Incrível, não?

Os territórios brasileiros do Paladar

Thiago Sousa

A forma de selecionar, preparar e consumir alimentos é reflexo da cultura de um povo.

Diversos estudos mostram a evolução do Homem a partir do domínio do Fogo, permitindo um salto em sua organização e forma de viver partindo de um simples colhedor de frutas frescas a um sofisticado elaborador de comidas de diversos ingredientes.

Nesse meio tempo descobriu as maravilhas da fermentação que ajuda a transformar matérias primas como o leite e a farinha em alimentos de sabores e texturas agradáveis com maior tempo de conservação como o queijo e os pães. Ah, é claro, não podemos nos esquecer da importante descoberta da fermentação alcoólica, cujas bebidas resultantes substituiram a água sem tratamento higiênico em tempos medievais europeus até ganharem destaque na forma de vinhos e bebidas espirituosas.

Com o conhecimento dos processos de fermentação alcoólica, outras matérias primas foram empregadas, cada qual revelando o que havia de disponibilidade e condições locais, resultando numa miríade de bebidas fantásticas ao redor do mundo: Tequila, Sake, Arak, Cachaça, Vinho, Rum e vai por aí afora.

Começa neste dia 29 de Junho a 6a. PALADAR COZINHA DO BRASIL, emblemático evento de conhecimento gastronômico sob coordenação do Caderno PALADAR do jornal O Estado de São Paulo, em São Paulo.

Em seu início havia uma preocupação em mostrar uma Cozinha Brasileira, ou seja, pratos que expressassem elevado grau de conhecimento e técnica preparados com ingredientes brasileiros. Foram chamados grandes Chefs (ou Cozinheiros, como alguns preferem ser tratados!) estudiosos desses ingredientes. Receita de puro sucesso, de crítica e de público!

Em sua evolução, o Evento Paladar ganha maior foco no resgate e destaque aos ingredientes deste mundão que é o Brasil, que pela sua graaaaande extensão territorial e localização privilegiada no planetinha Terra apresenta uma riquíssima diversidade de climas e vegetações, devidamente temperada por uma mixigenação étnica e cultural típica dos países do Novo Mundo.

Apesar do crescente apelo que os clássicos países europeus ou distantes e milenares asiáticos despertam no brasileiro, exercendo quase hipnótico chamado para uma visita, nosso país ainda tem muito a ser conhecido, explorado e, também, em tempo de ser resgatado!

 Resgatado porque algumas das espécies vegetais estão simplesmente se extinguindo, às vezes pela intromissão do Homem em nome do Progresso, outras vezes por uma alteração dos Elementos de Território. E é aqui que gostaria de fazer um destaque.

Você sabia que os queijos mineiros produzidos em Minas Gerais (então, os verdadeiros mineiros!!!) em geral não tem o leite pasteurizado para sua elaboração, assim como alguns de seus primos franceses, italianos e portugueses? O Queijo Canastra, que possui textura e sabores inconfundíveis, é produzido numa região de paisagem conhecida por Mar de Morros, onde o gado pasteja livremente por campos abertos com capim por vezes ralo. Com uma produção de leite bem abaixo dos locais mais tecnificados, este resulta muito mais concentrado e “gordo”, e que com uma tradicional técnica se transforma num dos mais emblemáticos produtos com o Selo de Procedência de MG. Devido a uma linha de pensamento conhecida como ASSEPSIA TOTAL, que interessa principalmente às grandes indústrias, não pode ser comercializado fora dos limites do Estado de Minas Gerais. O Governo Mineiro, ciente da importância cultural do Queijo Canastra (e de outros primos), decidiu que não só deve ter seu comércio livre no território de Minas Gerais, mas, também, ter seus processos preservados e até aperfeiçoados. Muito lúcido!

Em alto ponto de ebulição está também a discussão sobre o uso de tachos de cobre para fazer os deliciosos doces como o Doce de Leite e Geléias. Uai, tem jeito melhor de fazer?

E o Frango ao Molho Pardo, então, que está proibido de ser servido em restaurantes de São Paulo?! Pasmem, prato de tradição tão arraigada na cultura interiorana de São Paulo e Minas Gerais, vai virar fotos e textos em livros de culinária histórica!

Tudo deve ter bom senso. Pior são os produtos industriais, que vira e mexe tem grandiosas alterações em seus processos e resultado final graças às sutis mudanças de legislação ou em sua interpretação, como o terrível caso das “Bebidas Lácteas” em lugar do velho e saudável Iogurte, das margarinas que são pura massa de aditivos alimentícios permitidos pela legislação e que ficam Anos Luz a dever em sabor e até salubridade. Afinal, se fosse boa não precisaria dizer que não tem gordura trans…

E o café nisso tudo?

Bem, os produtores estão se esmerando, muitas torrefações artesanais estão surgindo com boas propostas e cafeterias pululam para fazer chegar ao consumidor os sabores de cada Território, alguns já distinguidos por INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA como o Cerrado MineiroSerra da Mantiqueira Mineira e Norte Pioneiro do Paraná.

Que tal experimentar mais o Brasil?