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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

Filtering by Tag: Território

O sabor está no ar – 1

Thiago Sousa

Certamente o maior quebra cabeças que a Humanidade sempre enfrentou é o relacionado à conservação dos alimentos. No princípio, era a fartura de comida e água que determinava o tempo que os povos se fixariam num dado local. Com o domínio das técnicas de Agricultura, ainda que rudimentares, foi possível fazer com que os povos, finalmente, pudessem se fixar e, digamos, criar raízes numa região.

A prática da Agricultura fez com que as pessoas observassem mais atentamente os fenômenos da Natureza, como a passagem das Estações do Ano, o movimento do sol e até a distribuição das chuvas. Para muitos povos, o ciclo das lavouras foi a referência para a criação dos calendários, pois clara era a percepção de que os fenômenos se repetiam regularmente.

A fixação dos grupos de pessoas criava condições para o crescimento populacional mais consistente, uma vez que os riscos da vida nômade se tornavam mínimos. E o aumento da população incorria na maior necessidade de alimentos e água disponíveis. As mudanças de estações climáticas ao longo do ano também impuseram algumas regras de sobrevivência, como a busca de maior eficiência na produção de alimentos no período apropriado, isto é, da Primavera ao Outono, que levou à escolha de plantas adequadas a cada época do ano.

Nas regiões mais distantes da Linha do Equador, as Estações do Ano são mais distintas, principalmente na faixa que vai de 23o a 50o de Latitude, permitindo uma percepção bastante clara das transições. A estação que sempre norteava o ritmo dos trabalhos era o Inverno, que em algumas localidades poderia ser muito rigoroso e com nenhuma perspectiva de se produzir alimentos. Portanto, esse período de escassez deveria ser precedido de uma longa fase de preparação e estocagem de alimentos e insumos, caso da lenha, para se garantir o aquecimento.

Alguns alimentos são mais perecíveis, de forma que sua conservação deveria passar por algum tipo de tratamento.

O domínio do fogo foi imprescindível para que a possibilidade de se melhorar a chamada Palatabilidade (ou o quão gostoso seria…) dos alimentos.

Com o tempo, o uso do Sal se revelou providencial para a conservação de vegetais e carnes. O sal diminui a quantidade da chamada Água Livre disponível, minimizando os riscos de contaminação.

Alguns povos observaram que, de forma espontânea, alguns alimentos sofriam modificações quando estavam ao tempo. O aspecto se alterava e, principalmente, diferentes aromas surgiam. Era como se algo invisível transformasse a comida e faziam surgir, também, novas bebidas.

Isso mesmo: muito dos aromas ou sabores são formados por processos naturais que envolvem fermentações.

Na verdade, a fermentação é um indicativo de vida!

Vejamos alguns bons exemplos: o vinho é obtido por fermentação da polpa das uvas; o queijo, do leite; o picles, de legumes; a cachaça, da cana de açúcar.

A lista é quase infindável, pois basta que haja alimento e boas condições para os microorganismos trabalharem  que as fermentações podem acontecer em qualquer lugar.

O que foi conhecido por “Geração Espontânea”, como se o desenvolvimento de microculturas se desse como que por mágica, nada mais é que a manifestação do trabalho dos laboriosos microorganismos. E, obviamente, pode-se ter como resultado coisas do Bem e do Mal, que comentarei a seguir.

Dedico esta série ao Barista Ton Rodrigues, Sofá Café, SP.

Territórios – 1

Thiago Sousa

Certamente você já ouviu a palavra Terroir, tão pronunciada ultimamente. De origem francesa, esta palavra pode ser traduzida por Território.

Desde os tempos antigos já se sabia que havia uma estreita relação entre os produtos agrícolas e onde eram produzidos. São bons exemplos as famosasEspeciarias, entre elas o Cravo da Índia e a Canela, que saíam da distante Índia para fazer parte de receitas de pratos servidos à nobreza européia. Sim, os indianos sempre tiveram queda especial para as especiarias, bastante ver como sua rica culinária sempre combina de forma exuberante um conjunto delas.

Tem relação com sua cultura, muito mística, com os aromas intensos que auxiliam na ambientação para a prática da meditação e até do Yoga.  Hoje, como outro bom exemplo, o Tchai é uma bebida que pode ser considerada bastante popular, muito difundida mundo afora pela gigantesca rede Starbucks.

De forma sistematizada, a noção da relação entre Território e Produtos Agropecuários se formou na Europa. Desde o Jamón da Espanha até o arroz cultivado no vale do Rio Pó, passando pelas quase incontáveis regiões vinícolas e produtoras de queijo, a lista é p’ra lá de longa…

Foi o vinho o primeiro produto agrícola a ter um processo deDenominação de Origem. Ao contrário do que muita gente pensa, a primeira Denominação de Origem foi para o Vinho Verde de Portugal no início do Século XX, vindo depois a impressionante série de origens vinhos franceses. Estes foram mais eficientes em propagar pelo mundo que seus vinhos, além do prestígio que já desfrutavam, tinham produção com território definido.

De qualquer forma, os processos foram bastante semelhantes, desde a criação de um organismo que coordenasse os serviços de certificação dos vinhos produzidos, atestando não apenas sua qualidade como também o processo utilizado. Este foi o ponto mais importante para que um modelo de criação do que podemos chamar deTerritórios de Produção pudesse ganhar espaço.

Falar em Terroir é relacionar as condições geográficas, como o local de produção, o clima e o solo, além dos aspectos botânicos e, não menos importante, o papel do produtor. Tudo tem de funcionar bem, harmonicamente. No caso do café, o namoro com as Denominações Geográficas é algo recente.

Apesar de ter sido a primeira região produtora no mundo a se organizar para obter uma Denominação Geográfica, o Cerrado Mineiro perdeu essa oportunidade ao receber uma Indicação de Procedência pelo INPI quase 6 meses após a região de Vera Cruz, no México.

Um dos requisitos mais importantes para uma região receber a Indicação de Procedência, no caso específico do Brasil, a Notoriedade, que é o reconhecimento pelo mercado de um atributo que seja relacionado diretamente com uma determinada origem, tem grande peso, assim como acontece para a Denominação de Origem, dada pela WIPO.  Apesar de sua história recente, o Cerrado Mineiro construiu a partir das boas condições climáticas a fama de origem produtora de cafés de boa qualidade dentro do Brasil, confundindo, por vezes, a origemcom o conceito de qualidade superior.

Se uma região com o Cerrado Mineiro, mesmo que demarcada e reconhecida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com uma gigantesca área abrangendo 55 municípios, obteve sua IP – Indicação de Procedência, uma micro região poderia conseguir algo semelhante mais facilmente. Foi justamente esta linha de pensamento que norteou a demarcação da Micro Região da Face Mineira da Serra da Mantiqueira, liderada pela APROCAM – Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira, na hoje renomada Carmo de Minas. Sua IP foi concedida neste ano de 2011, após quase 6 anos de tramitação do processo junto ao INPI.

E sobre sua notoriedade? Bem, cafés que são cultivados numa área particularmente montanhosa, a belíssima Serra da Mantiqueira, com o adicional de dividir um dos mais ricos mananciais de água mineral do Brasil, só poderiam resultar em bebidas de boa complexidade de notas de sabor, intensos aromas e quase sempre exuberante acidez cítrica.

Tudo isso é resultado da combinação que um Território pode proporcionar.

Sobre as fotos: 1- lavouras em São Roque, montanhas do Espírito Santo; 2 -lavoura sombreada em modelo agroflorestal em Piatã, Chapada Diamantina, BA; 3 – Selo do Café do Cerrado, hoje substituído pelo Selo da Região do Cerrado Mineiro; 4 – Selo de Origem para os Cafés da Mantiqueira.