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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

O sabor está no ar – 2

Thiago Sousa

A Vida está no ar que respiramos.

A Atmosfera não é simplesmente uma inodora mistura de gases como é o pensamento comum, mas um universo à parte, fluido, com habitantes que circulam freneticamente levados pelos ventos e brisas. Esses habitantes formam uma população microscópica, multirracial e que convive sem transtornos sociais de qualquer espécie.

Trabalham modificando as substâncias que compõem os tecidos vegetais e animais, dando origem a diferentes classes de alimentos e bebidas ou, mesmo, outras substâncias. Por exemplo, existe uma bactéria conhecida por Leuconostoc mesenteroides, presente em plantas, carnes e até no leite, que tem a capacidade de polimerizar a Glicose a partir da Sacarose, que é o Açúcar de Cana. Eram comuns problemas nos processos das Usinas de Açúcar e Álcool devido à formação de Dextrana, polímero da Glicose, que possui alta viscosidade.

No caso da produção de alimentos e bebidas, são mais comuns os produtos obtidos por fermentação.

De uma forma simplificada, esses seres microscópicos podem ser divididos em dois grandes grupos: aqueles que trabalham em ambiente com Oxigênio e os que dispensam totalmente o Oxigênio. Daí tem-se as chamadas Fermentações, respectivamente, Aeróbicas e Anaeróbicas.

A presença de açúcares geralmente pede uma fermentação anaeróbica. É o caso da Fermentação Alcoólica: a molécula de Glicose sofre transformação, formando um álcool, no caso o Etanol. Esta reação é conduzida por uma levedura, que é um tipo de fungo, conhecidíssimo no Mundo dos Alimentos: o Saccharomyces cerevisae. É ele também empregado na elaboração de pães.

No caso das uvas para a produção de vinho, que tem polpa carnuda com muita água e açúcares, ocorre uma típica fermentação anaeróbica.

A fruta do Cafeeiro tem polpa adocicada, quando madura, e com muita água. Basta que essas frutas amadurecidas sofram de falta de Oxigênio para que os processos fermentativos anaeróbicos se iniciem, gerando notas que vão dos Florais ao de Frutas Amarelas como o damasco ou abacaxi. Caso esse processo não seja interrompido, chega-se à formação do etanol e, mais um pouco, este se transforma em Ácido Acético, vulgarmente chamado de Vinagre. É quando se diz que o café tem bebida “ardida”, pois literalmente “foi para o vinagre”…

Essas reações são realizadas mediante a presença de Enzimas, que são substâncias altamente reativas produzidas pelas Leveduras. Por essa razão, a equipe do aromista francês Jean Lenoir, ao desenvolver o Le Nez du Café para a SCAA – Specialty Coffee Association of America, denominou o grupo de aromas como estes de origem Enzimática.

O processo de Despolpamento, empregado intensivamente pelos países da América Central, Colômbia, Peru e do Leste da África, foi desenvolvido para se retirar bioquimicamente a polpa do fruto do cafeeiro aderido às sementes após o descascamento. Logo depois de se retirar a casca dos frutos maduros, as sementes são despejadas em tanque com água, de onde se cunhou o nome de Lavado para este processo.

A mistura de água e sementes com polpa tem de ser mexida constantemente para incorporar oxigênio ao sistema, pois há um consumo crescente dele com o tempo decorrente da reação dos açúcares, principalmente a Glicose (sempre ele…), que se transforma em Ácido Lático. É uma reação semelhante ao que experimentamos quando realizamos um esforço físico muito grande, como uma corrida de longo percurso.

Para facilitar a compreensão deste fenômeno, costumo dizer que caso fôssemos feitos de leite, a cada grande esforço nos tornaríamos em uma grande coalhada!

Dessa forma, os cafés despolpados por fermentação tem sua acidez aumentada pela incorporação do ácido lático, porém às custas de perda de açúcares.

Uma vez mais, a Natureza mostra que tudo é feito em equilíbrio: nada se obtém sem o sacrifício de alguém.

O sabor está no ar – 1

Thiago Sousa

Certamente o maior quebra cabeças que a Humanidade sempre enfrentou é o relacionado à conservação dos alimentos. No princípio, era a fartura de comida e água que determinava o tempo que os povos se fixariam num dado local. Com o domínio das técnicas de Agricultura, ainda que rudimentares, foi possível fazer com que os povos, finalmente, pudessem se fixar e, digamos, criar raízes numa região.

A prática da Agricultura fez com que as pessoas observassem mais atentamente os fenômenos da Natureza, como a passagem das Estações do Ano, o movimento do sol e até a distribuição das chuvas. Para muitos povos, o ciclo das lavouras foi a referência para a criação dos calendários, pois clara era a percepção de que os fenômenos se repetiam regularmente.

A fixação dos grupos de pessoas criava condições para o crescimento populacional mais consistente, uma vez que os riscos da vida nômade se tornavam mínimos. E o aumento da população incorria na maior necessidade de alimentos e água disponíveis. As mudanças de estações climáticas ao longo do ano também impuseram algumas regras de sobrevivência, como a busca de maior eficiência na produção de alimentos no período apropriado, isto é, da Primavera ao Outono, que levou à escolha de plantas adequadas a cada época do ano.

Nas regiões mais distantes da Linha do Equador, as Estações do Ano são mais distintas, principalmente na faixa que vai de 23o a 50o de Latitude, permitindo uma percepção bastante clara das transições. A estação que sempre norteava o ritmo dos trabalhos era o Inverno, que em algumas localidades poderia ser muito rigoroso e com nenhuma perspectiva de se produzir alimentos. Portanto, esse período de escassez deveria ser precedido de uma longa fase de preparação e estocagem de alimentos e insumos, caso da lenha, para se garantir o aquecimento.

Alguns alimentos são mais perecíveis, de forma que sua conservação deveria passar por algum tipo de tratamento.

O domínio do fogo foi imprescindível para que a possibilidade de se melhorar a chamada Palatabilidade (ou o quão gostoso seria…) dos alimentos.

Com o tempo, o uso do Sal se revelou providencial para a conservação de vegetais e carnes. O sal diminui a quantidade da chamada Água Livre disponível, minimizando os riscos de contaminação.

Alguns povos observaram que, de forma espontânea, alguns alimentos sofriam modificações quando estavam ao tempo. O aspecto se alterava e, principalmente, diferentes aromas surgiam. Era como se algo invisível transformasse a comida e faziam surgir, também, novas bebidas.

Isso mesmo: muito dos aromas ou sabores são formados por processos naturais que envolvem fermentações.

Na verdade, a fermentação é um indicativo de vida!

Vejamos alguns bons exemplos: o vinho é obtido por fermentação da polpa das uvas; o queijo, do leite; o picles, de legumes; a cachaça, da cana de açúcar.

A lista é quase infindável, pois basta que haja alimento e boas condições para os microorganismos trabalharem  que as fermentações podem acontecer em qualquer lugar.

O que foi conhecido por “Geração Espontânea”, como se o desenvolvimento de microculturas se desse como que por mágica, nada mais é que a manifestação do trabalho dos laboriosos microorganismos. E, obviamente, pode-se ter como resultado coisas do Bem e do Mal, que comentarei a seguir.

Dedico esta série ao Barista Ton Rodrigues, Sofá Café, SP.

Nada será como antes

Thiago Sousa

O início do Século XXI foi marcado por uma longa e amargurante crise do mercado do café cru, como acontece de tempos em tempos. Apesar de apresentarem uma temática absolutamente semelhante, em cada quadro sempre são retratados elementos inéditos, que acabam por criar a identidade daquele momento.

Dois elementos saltaram aos olhos do mercado: o primeiro foi o exuberante aumento da produtividade média das lavouras cafeeiras do Brasil, que saltou olimpicamente de parcos 8 sacas de 60 kg/hectare no final dos anos 80 para mais de 23 sacas/ha; o outro, o surgimento de um novo país revestido de nova potência da cafeicultura, que era o Vietnan, que estava superando a Colômbia e assumindo o posto de segundo maior produtor mundial de café. Café da espécie canephora, é certo, porém um volume suficiente para ficar com folga à frente da Colômbia e todos os seusarabicas.

Enquanto isso, o mundo que consome café, a bebida quente mais consumida de todos os tempos, experimentava também uma formidável transformação, ampliando suas fronteiras como nunca, conquistando povos e esquinas até então inexploradas. Definitivamente beber café se tornou um hábito elegante e pleno de prazer ao redor do mundo.

O Espresso alcançou uma projeção até então impensável, assumindo o posto de Grande Embaixador das xícaras doNegro Vinho através das Competições Mundiais de Baristas (WBC – World Barista Championship), iniciadas na Europa e, em seguida, nos Estados Unidos até ganhar o Mundo.

Em meados dos anos 2.000, as cotações do mercado de café cru voltaram a assumir trajetória de subida, estimulando a renovação das lavouras decadentes, investimentos em maquinários de processamento de pós colheita e, como não poderia deixar de acontecer, novos investidores entrando no rol de cafeicultores. As novas tecnologias de produção adotadas no Brasil constroem lavouras de maior produtividade ede menor tempo necessário para sua primeira grande safra, entre elas as variedades modernas empregadas pelos cafeicultores, todas filhas de híbridos de Timor e de Vila Sarchi, portanto com um tanto de DNA de canephora. Costumo chamá-las de variedades de alto desempenho, como osCatucaís e Obatans.  

Nesse meio tempo, um dedicado grupo de técnicos do INCAPER – Instituto Capixaba de Pesquisas e Extensão Rural começou a apresentar variedades de canephora com muita aptidão para produzir bebidas de muito boa qualidade. Em paralelo, várias iniciativas vindo de empreendedores privados no Espírito Santo buscando apresentar novas facetas sensoriais do Conilon criaram o movimento doConilon Especial. Vale destacar o esforço em certificar um laboratório para promover os Exames paraR Graders, que é a certificação de juízes sensoriais especializados em robustas pelo CQI – Coffee Quality Institute.

 

Depois de atingir valores que rondaram os US$ 300 a saca de 60 kg para o café cru, as cotações no mercado comum de café cru iniciaram seu caminho descendente, que por vezes se pareceu com movimento de queda livre. Foi quando observou-se o quanto o canephora (Robusta e Conilon, por exemplo) havia tomado espaço do arabica em muitos blends do grande mercado de café.

Com um custo de produção sensivelmente mais baixo, que se reflete no preço de aquisição pelas indústrias torrefadoras, rapidamente o famoso grão “bicudinho” conquistou a preferência dos compradores. Justifica-se o fato de que é muito melhor comprar um robusta de boa qualidade, isento de defeitos capitais de bebida, do que um arabica de baixa qualidade pelo mesmo preço, para compor osblends de grande escala.

A escassez de um dos produtos, no caso dos grãos crus de arabica, sempre provoca, além de uma reacomodação do mercado, uma busca por novas tecnologias de produção industrial. Por outro lado, promove um efeito perverso entre os produtores, que se desestimulam a produzir grão se melhor qualidade, pois o grande mercado paga preços muito bons mesmo para cafés arabica medianos nesses períodos.

A crescente elevação do padrão de qualidade de robustas vem surpreendendo o mercado. Ainda que timidamente, alguns baristas de renome começaram a usar blends com Robustas Especiais em alguns eventos, pois há uma certeza de se obter uma Crema espessa e abundante, valorizando seus Espressos.

Com um teor de lipídeos dobrado em relação às variedades do arabica, a nova geração de canephorasestá conquistando um novo espaço: o remodelado mercado de cápsulas para espresso, onde a Cremaabundante é sinal de qualidade para o consumidor médio. A queda de algumas das patentes da Nespresso, líder absoluta no segmento de cápsulas, escancarou as portas para um imenso número de novos competidores, fazendo do preço para o consumidor ou operador o novo balizador desse mercado.

É um segmento que está se tornando tão competitivo quanto o dos blends de Café para Todos os Dias encontrados nas prateleiras dos supermercados. Ou seja, vislumbra-se essencialmente uma briga de cachorro grande…

Para tornar o cenário ainda mais complexo, veio à público a patente requerida em 2008 pela gigante internacional do segmento de cafeterias, a Starbucks, de processo industrial para melhoria de qualidade de robustas earabicas, como pode ser visto neste link do departamento de patentes dos Estados Unidos: http://appft1.uspto.gov/netacgi/nph-Parser?Sect1=PTO1&Sect2=HITOFF&d=PG01&p=1&u=/netahtml/PTO/srchnum.html&r=1&f=G&l=50&s1=20080299283.PGNR.

Através de diferentes processos que envolvem desde tratamento com soluções aquosas com precursores de moléculas importantes para a alta qualidade percebida até o uso de sistemas de troca iônica para a extração de substâncias indesejadas, a Starbucks pretende, a partir de grãos de baixa qualidade, melhorar sensorialmente seus atributos, retirando tudo o que é de ruim ou inserindo o que pode torná-lo bom.

Esta iniciativa da Starbucks está inaugurando uma Nova Era do Café, quando a qualidade deixa de ser algo originalmente produzido na Natureza e pelas mãos dos cafeicultores, passando para a indústria a missão de ajustar artificialmente a qualidade sensorial dos cafés que serão bebidos.

Como primeiro impacto observado, cai por terra toda e qualquer iniciativa ligada à Origem do Café, suas Denominações e Tipicidades.

Definitivamente, nada será como antes… 

Ou será que outras soluções virão a galope?

Café para se comer

Thiago Sousa

Café, para a grande maioria das pessoas, foi feito para beber.

Desde os tempos imemoriais na Península Arábica, quando os primeiros ensaios para se consumir esta que se tornou a segunda bebida mais consumida do mundo, a obsessão era a de se obter uma preparação de bebida.

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Nos anos mais recentes, muitos Chefs  e Cozinheiros passaram a se interessar no uso culinário do café, antes apenas reservado para o final de uma refeição.

Com a percepção de que a bebida é bastante intensa, cheia de nuances aromáticas (se notas florais ou de frutas estiverem presentes, por exemplo), passaram a utilizar o café extraído como ingrediente de molhos, certamente sua aplicação mais comum.

O grande problema ao se empregar nos molhos, por mais incrível seja o café, é que suas notas de sabor acabam se mesclando com os outros ingredientes, muitas vezes de um que lembre o Molho Madeira, fazendo com que sua presença ficasse esmaecida. Ah, esse tipo de problema é ainda mais dramático se for de um excepcional café da espécie arabica.

Foi quando os Chefs e Cozinheiros descobriram que o sabor de uma bebida preparada com grãos da espécie canephora (como o Robusta) é muito mais marcante, persistindo nos molhos e outros preparados, determinando um novo padrão de matéria prima. Observe que a esmagadora maioria das receitas que levam café pedem o café solúvel, que via de regra é 100% Robusta/Conilon.

Outra forma de uso corrente do café, ou melhor ainda, da semente torrada do café, é seu emprego como Crosta, cobrindo uma posta de peixe ou um corte de carne. Alguns Chefs e Cozinheiros fazem a Crosta com moagem média a fina, porém o aspecto desagradável é que as partículas do café moído são pontudas e podem se tornar muito incômodas ao se mastigar. O efeito do formato de pontas do grão torrado e moído, como o ideal para uma extração na French Press, é somado à característica, digamos, “ressecada” do café, o que deixa sempre uma sensação pouco convidativa para uma repetição…

Bem, eu particularmente não considero que o uso do grão torrado de café, mesmo que seja de um arabica esplêndido, na Crosta seja apropriada. Observe que tradicionalmente são usadas sementes como a amêndoa, nozes, avelãs e até o amendoim. E essa escolha é muito sábia!

Essas sementes são classificadas como Oleaginosas, que quer dizer que tem em sua composição o predomínio de óleos (em geral de excelente qualidade para a nossa saúde!), quase sempre acima dos 40%. O alto teor de óleos confere muita maciez à semente que, mesmo quando submetida à moagem e um tratamento sob a “Salamandra” (apetrecho que tem uma resistência na parte superior e dá a finalização crocante num prato), fica agradavelmente macia e agradável ao se mastigar. Enquanto isso, a semente do cafeeiro tem no máximo 2% de óleos, além do que a grande parte de sua estrutura é somente celulose. Por isso não funciona tão bem nesse tipo de uso culinário.

Os usos na forma de bebida pronta são mais práticos, portanto, mas ainda assim requerem que alguns cuidados.

Uma das práticas interessantes que os Amantes de Queijos, principalmente dos proibidos queijos de leite cru como o Canastra, Salitre ou Serro, é o de imergir a peça em nobres líquidos para que a casca ganhe um aspecto de cura diferente na cor e no sabor. Alguns, como o Mestre Queijeiro Bruno Cabral, do Donostia, em São Paulo, vem fazendo testes utilizando cervejas. Coisa boa na certa!

Outros, como o Companheiro de Viagem Eduardo Maya, fez um teste mergulhando um belo (e neste caso pobre coitado) Canastra em café. Até aí, nada demais… o problema foi que ele utilizou um café barato com um horrível e muito desagradável cheirohospitalar fenólico que quase empestiou a sala onde foi provado…. Se você utilizar grãos de excelente qualidade, tenha certeza de que o resultado será incrivelmente bom!

E para que o café preparado não se perca em meio às inúmeras informações de sabor de um prato, criei este Risoto de Café que leva o café esferificado. Foi a forma que encontrei para manter o sabor de um bom café (no caso um sempre impressionante Chapadão de Ferro) preservado e que combinou muito bem com pedacinhos de um queijo do Salitre.

Se você tiver outras experiências e receitas, converse comigo!

EU ADORO PINGADO! – 2013

Thiago Sousa

Dia 25 de Maio vamos comemorar mais um DIA DO PINGADO!

O MOVIMENTO DE VALORIZAÇÃO DO PINGADO foi lançado em 25 de maio de 2010 e vem ganhando mais espaço a cada ano.

Café e Leite. Simples, mas é uma combinação imbatível!

O Yemen é o berço da Cafeicultura, onde os primeiros cafezais tomaram forma e se instalaram nas áreas de grande altitude daquele país fincado ao sul da Península Árabe. As origens de café mais antigas do mundo lá se encontram (Haraz e Jabal Bura), com plantas da clássica variedade Typica e outras que surgiram por lá, em íngremes montanhas que chegam a impressionantes 3.000 m de altitude. Coube a aquele povo também o domínio do preparo do café no tradicional Ibriq, depois de terem também desenvolvido os primeiros processos de torra.

Em razão do clima árido predominante nas áreas de produção agrícola, da escassez de água e, também, de alimentos, os Yemenis aprenderam a utilizar ao máximo das plantas e seus animais. O Café ainda possui muita importância, seja pelo aspecto cultural, pelo seu papel de manter ainda um grande número de pessoas no campo.

Da fruta do cafeeiro tudo se aproveita: as sementes que, depois de torradas, serão usadas para preparar o Bun(como é chamado o Café naquele país), o Qeishr (bebida preparado com a casca tostada da fruta, podendo ser adicionada de especiarias) e o equivalente ao nosso Pingado, que é simplesmente o Bun com Leite. Na foto acima, você pode ser nessa ordem, a partir da esquerda, essas bebidas: o Bun (translúcido de cor intensa, observando-se o fino pó de café no fundo do copo), o Qeishr (opaco devido à presença das especiarias) e o Bun com Leite. Nas manhãs este último é uma bebida predileta de muita gente, assim como o nosso Pingado.

O Pingado pode ser preparado de diversas formas dentre as categorias PINGADO CLÁSSICO e o PINGADO MODERNO. O Clássico é aquele geralmente servido nas padocas (ou padarias…) num bom copo americano com café preparado no coador de pano, num ritual repetido diversas vezes ao dia por hábeis Mestres do Pingado. E se acompanhado por um perfumado Pão na Chapa ou um Canoa Coberta (com queijo tipo muzzarela derretido!!!), melhor ainda!

O Pingado Moderno é o que as boas cafeterias servem a partir de diferentes serviços como o Espresso e suas variações com o leite vaporizado: MacchiattoLattè e Cappuccino.

Além disso, existem serviços muito bacanas que podem ser agregados como o café de French Press, da hoje badalada Hario ou num classudo filtro Melitta,  em combinações quase intermináveis com diferentes tipos de leite. Por exemplo, no inovador AMIKA Coffee House, de Fortaleza, CE, o Pingado com Leite de Soja ganhou o divertido apelido de A VACA FOI PRO BREJO!

Veja agora DEZ REGRAS para um EXCELENTE PINGADO:

1) O Café, base do Pingado, tem de ser honesto, de boa procedência e qualidade. (Um café de boa qualidade é sempre naturalmente adocicado.)

2) O preparo do café tem de ser correto, seja como Cafezinho (no coador de pano ou coado em filtro de papel) ou Espresso. (Regras do Bom Preparo, que descrevem a proporção de pó e as características da água, devem ser observadas!).

3) Café gostoso é o preparado na hora, de preferência. (Não deixe o café por muito tempo na garrafa térmica ou sob constante aquecimento porque isso leva à rápida oxidação, fazendo com que os bons sabores se percam.)

4) Se o seu Pingado for feito com Espresso, o café pode ser diluído como um Carioca antes da adição do leite. (Diluir o Café, sim; diluir o leite, nunca!)

5) Use leite de boa procedência e qualidade. Sempre!

6) O leite pode ser integral, semi desnatado ou de soja (se você tiver problemas com lactose). O importante é observar sua qualidade e frescor.

7) Evite ferver ou aquecer continuamente o leite. (O leite é uma bebida muito delicada, perdendo suas qualidades nutritivas e seu sabor se exposto intensamente ao calor.)

8 ) O Pingado é preparado apenas com um pouco de leite, o suficiente para criar um cor de caramelo ao se combinar com o café. (A Média é uma variação que leva mais leite até chegar na proporção “meio a meio”.)

9) Adoce a gosto. (Isto é questão de gosto pessoal! No entanto, deve ser lembrado que um bom café e o leite aquecido são adocicados por natureza.)

10) O Pingado pede bons companheiros como um perfumado Pão na Chapa.

Comemore com um bom Pingado o dia 25 de Maio. Mas, se quiser comemorar todos os dias, faça isso também!

PALADAR 2013: a consciência da cultura brasileira

Thiago Sousa

E vem aí o PALADAR Cozinha do Brasil 2013   (http://www.estadao.com.br/paladar/cozinha-do-brasil-2013/) em São Paulo, de 03 a 05 de maio!

Já em sua sétima edição, este evento vem ganhando musculatura, diversidade e mais sabedoria ao longo dos anos, introduzindo as muitos boas Atividades Externas (que são aulas que podem acontecer em restaurantes e até nos sítios de produtores dos ingredientes escolhidos por alguns Chefs) e o Menu Paladar (com restaurantes e cafeterias oferecendo pratos e bebidas especialmente selecionadas).

Tenho sido convidado a dar aulas desde 2009, sua terceira edição, e a evolução do evento é muito impressionante.  Seu início foi um manifesto sobre a preservação da cultura culinária brasileira, mas que foi ganhando corpo e, principalmente, Norte sobre o papel que hoje tem. Falar de como pedaço do Brasil prepara um determinado prato e os ingredientes usados é, antes de tudo, preservar o que cada povo possui de mais valioso: sua cultura.

Muitas plantas podem ser cultivadas em diversas localidades, porém em cada uma, além das influências da Geografia, ao serem utilizadas como ingrediente na alimentação representam a forma como cada grupo de pessoas se relacionava. Por exemplo, em locais onde as conservas são mais frequentes, é sinal de que os ciclos de escassez deveriam fazer parte da vida daquelas pessoas e que ter alimentos preservados era a certeza de que não passariam fome.

O Brasil, com suas dimensões grandiosas tanto na Latitude quanto  na Longitude, tem o privilégio de manter um fantástico acervo de biomas, permitindo que um sem número de Produtos de Territórioaflorem.

Com vocação para o chamado sistema de Plantation na agricultura a partir da Cana de Açúcar, o Brasil no final do Século XIX alcançou o posto de maior produtor mundial deCafé, ultrapassando a Indonésia, que havia reinado por mais de 300 anos absoluta nessa posição. Em minhas andanças e pesquisas, dentre as quais a de reproduzir todo o Trajeto do Café no Brasil, percebi como a sua relação com a Cana de Açúcar era forte, ambas quase sempre juntas ou uma substituindo a outra. E como a mais eloquente e genuína representante dos teores etílicos do Brasil, a Cachaça, que agora reconhecida mundialmente como bebida tipicamente brasileira, muitas vezes abriu as trilhas para o Café.

É nesse contexto histórico que o super expert em  Cachaças, o cachacier Maurício Maia, e eu apresentaremos uma aula (dia 03 de maio, 18h00) sobre a relação entre ela e o Café em diferentes territórios.

A degustação será o ponto alto!

Imagine saborear exuberantes cachaças em harmonia com excelentes cafés…

Diversos Chefs vem fazendo excepcional trabalho de estímulo à produção de ingredientes que estavam se perdendo devido ao movimento de migração para as grandes cidades como o Mel de abelhas nativas, a grande pesquisa que o Thiago Castanho vem fazendo com vegetais da Amazônia ou os deliciosos queijos brasileiros produzidos de Norte a Sul, sem falar no trabalho do premiadíssimo Chef Alex Atala de manutenção das comunidades locais com sua cultura.

Resgatar um pouco da história, além de apresentar tendências e técnicas inovadoras, faz parte desse grande caldeirão que se tornou o Evento. E para colaborar, a historiadora Ana Rita Suassuna irá contar como o Sertanejo Nordestino preparava o seu café (hummm… será que existe uma versão sertaneja da French Press?!) junto com outros ricos detalhes, enquanto que eu prepararei cada forma para tornar a história ainda mais viva!

E é claro, com direito a apreciar todas as xícaras!

É um convite que faço a todos para irem ao Paladar 2013, principalmente pela riqueza de conhecimento e sabores que vocês poderão conhecer!

A intrigante questão da bebida limpa

Thiago Sousa

Você já deve ter ouvido ou lido com frequência que um café extraído num determinado método apresenta uma Bebida Limpa. Intrigante, não?

Afinal, se os grãos que foram usados na torra são selecionados como exemplares, ou seja, sem contaminações ou problemas de fermentações indesejáveis, que, por exemplo, os Juízes SCAA ou Q Graders classificam como um lote que tem “Bebida Limpa” ou ausente de problemas de sabores, porque alguém diria que num método ou serviço de café a bebida fica Limpa ou, digamos, Não Tão Limpa?

Na verdade, depois de acompanhar algumas pessoas preparando excelentes cafés em diferentes serviços como na French Press (ou Prensa Francesa, cujo líder no mercado na fabricação dessa peça é uma empresa suiça…) e no coador Hario, e ouvir como descreviam cada bebida resultante, consegui as pistas para matar essa charada

Primeiro de tudo é importante compreender que Preparar Café nada mais é do que um processo químico conhecido por Extração, que envolve por princípio um objeto que contém substâncias que são solúveis (e por isso passíveis de serem extraídas) a um determinado ou grupo de solventes.  No caso específico do café, a Água é o solvente, enquanto que as sementes do cafeeiro torradas e moídas farão o papel do Objeto da Extração.

A semente do cafeeiro, depois de torrada, contém um número grandioso de substâncias dos mais variados grupos como Carboidratos (a grosso modo, açúcares), Ácidos Graxos (ou gorduras e óleos), Ácidos Orgânicos (tanto os formados durante a “vida no campo” da semente quanto durante a torra) como o Ácido Cítrico e o Ácido Quínico, Aminoácidos e os Minerais (que são os sais). Isso sem mencionar as moléculas de grande complexidade que dão origem aos Aromas e Sabores que podem ser percebidas num café muito supimpa, como as florais ou frutadas, e os Compostos Clorogênicos.

Para facilitar a compreensão, podemos considerar apenas 4 grupos como os de maior importância prática: Ácidos Orgânicos, Açúcares, Compostos Clorogênicos e Óleos.

Observe que já posicionei esses grupos por ordem decrescente pela Solubilidade em Água.  E os Óleos, como sabemos, é insolúvel em água, por isso sempre essas substâncias irão ficar na superfície, pois são também muito menos densas.

Os Serviços de Café podem ser separados em dois grandes grupos: com ou sem filtração. Hummm…. realmente um ou outro faz toda a diferença!

Por exemplo, o Espresso, o Ibriq e a Prensa Francesa fazem parte do grupo sem filtração, enquanto que os coados em geral empregam um filtro como o Cafezinho (e seu inseparável filtro de flanela), o Hario e o Chemex.

Um dos conceitos que tem sido difundidos de forma equivocada é o de que no Café a percepção de Corpo é dada pelos óleos e sólidos solúveis. Na verdade, sob a perspectiva de Ciência dos Alimentos e Bebidas, quem define a percepção de Corpo são os Açúcares, simplesmente, que é explicada pela sua natureza química e estrutura molecular.

Os óleos não são miscíveis em água e ficam sobrenadantes, alterando a percepção de corpo. O grande problema é que as substâncias que conferem sabores amargosos são em sua esmagadora e quase completa maioria solúveis em óleos (= lipossolúveis), enquanto que aquelas que tem notas mais nobres e elegantes, como as florais, frutadas e de natureza adocicada são hidrossolúveis (= solúveis em água). E, como informação muito relevante, os açúcares tem preferência por água ao invés de óleos para se combinarem…

Quando você tem cafés preparados com filtro, os óleos ficam retidos e a tal percepção de Bebida Limpa é devida à perfeita interação dos açúcares dissolvidos na água e sua maravilhosa teia molecular formada, ressaltando a percepção de Corpo e as notas de sabores adocicados, florais e de frutas, por exemplo. Nos cafés preparados sem filtro essa percepção de limpeza é parcialmente ofuscada pelos óleos que ficam sobrenadantes e, principalmente, pela presença das moléculas de sabores amargosos que se combinaram com as gorduras.

Interessante, não? Faça um teste no seu próximo Espresso: experimente em separado a Crema da bebida e me conte depois…

COFFEE HUNTERS 2013: Investigando a cafeicultura sombreada!

Thiago Sousa

Imagine acompanhar a colheita em duas origens totalmente distintas desde o momento em que os frutos são retirados dos cafeeiros até os processos de secagem para, então, comparar como os Elementos de Território exercem sua influência. Adicione a isso um grupo de pessoas com formação multidisciplinar, ávidas por questionar tudo o que virem pela frente, tentar compreender detalhe a detalhe que cada um dos produtores apresentou e começar a inferir como tudo isso pode se expressar na forma de Aromas e Sabores. Coloque como tempero especial o tema Cafeicultura Sombreada no Brasil e um belo projeto educacional está pronto!

Assim é a edição 2013 do Treinamento para Coffee Hunters – Projeto #6.

Imersão + Coaching + Conhecimento Avançado Aplicado + Companheirismo.

Para a Etapa A CAMPO serão visitadas fazendas em Paracatu e Unaí, no extremo norte do Cerrado Mineiro, e em Pedra Azul, Domingos Martins, e Venda Nova do Imigrante nas belas Montanhas do Espírito Santo. Duas tecnologias diferentes para o sombreamento, dois conceitos e resultados sensoriais incríveis. Seis dias (de 30 de Junho a 07 de Julho), contando os translados) em dois cenários quase antagônicos, um montanhoso e frio, enquanto que o outro tem um clima agradável numa topografia plana a perder de vista…

Selecionar alguns lotes de café que apresentarem características interessantes faz parte do roteiro que compõe a Etapa EM LABORATÓRIO, que neste ano acontecerá nas instalações mineiras da ACADEMIA DO CAFÉ, em Belo Horizonte, do meu compadre urso Bruno Souza. Quatro dias torrando, provando, discutindo e compreendendo os efeitos dos Elementos de Território com o Nariz e a Boca.

Não há pré requisitos aos candidatos ao Processo Seletivo, mas preferências como vivência nos setores da Cafeicultura, como Agrônomos, Baristas e Mestres de Torra, além de gente com formação (como vem acontecendo) em Gastronomia ou Química, mas muito apaixonados por Café!

São mais de 130 horas-aula em imersão com metodologia Coaching,  num ambiente de alto aprendizado e que é uma experiência educacional inesquecível.

Para mais informações, entre em contato:

Ensei Neto

cafeotech@uol.com.br ou (34)9198-7567.

 

Testemunho de PEDRO PAULO DE FARIA RONCA, Agrônomo com Master em Café, Via Verde:

O curso aborda o café como um Produto de Território e procura evidenciar na prática as diferenças que o clima, solo, método de preparo, variedades botânicas, entre outras, podem conferir na bebida.  Foram acompanhados os processos de colheita, secagem e pós-colheita procurando-se analisar as diferenças e variações de cada processo. Na etapa de laboratório foram torradas diversas amostras tanto pelo método de tradicional, como pelo perfil de torra. Em cada situação e por meio de prova de xícara procurou-se experimentar as diferenças e complexidades presentes nos cafés especiais. 

Como resultado do curso pode-se levar múltiplos ensinamentos e práticas interessantes. Sem dúvida fica evidenciada a complexidade de se produzir cafés especiais, seja pela necessidade de processos muito cuidadosos, pela dependência do clima ao longo do ano e durante a colheita, pelas particularidades de cada região e microclima local, ou ainda pelo comportamento de cada variedade em determinado lugar.

Cursos como esse plantam a semente de um novo Brasil do Café, um país que continuará produzindo muita quantidade, mas, com humildade, aprenderá a produzir mais e mais cafés excepcionais.

Chef Ilda Vinagre, bacalhau & café

Thiago Sousa

Um dos princípios básicos da Música é a Harmonia, que fundamenta a combinação dos sons das notas musicais. Independente da cadência ou ritmo, as aparentemente poucas notas permitem combinações sem fim.

Um dos desafios que mais aprecio é o de fazer Harmonizações, arte que aprendi ainda na época acadêmica com o saudoso e inesquecível mestreMiguel Falcone, da cadeira de Engenharia de Alimentos na Politécnica-USP. Foi ele que me iniciou no mundo dos destilados, da Cachaça e do Vinho. Daí, com os trabalhos para produção de alimentos e bebidas, sob uma perspectiva absolutamente científica antes da industrial, fazer os testes sensoriais de cada novo produto era uma tarefa  obrigatória que se tornava quase lúdica quando eram exploradas as respostas de cada combinação.

Café & Vinho e Café & Cachaça fazem parte dos meus Diálogos Líquidos, enquanto que Café & Queijos é da linha dos Diálogos da Terra. Mas, o desafio mais estimulante é a Harmonia em Trio, quando entram em cena Comida, Café & Vinho. Com a Revista Espresso, uma versão simplificada completou um ano com a Edição #39, e o tema escolhido foi o bacalhau e seu essência portuguesa.

Quando o tema foi proposto, houve um certo clima de euforia, pois eu, particularmente, adoro pratos com esse peixe, enquanto que o grande Sommelier Diego Arrebola acenou com a possibilidade de incluir algumas ousadias.

O restaurante que se propôs a participar deste elegante desafio foi oTrindade, que faz parte do grupo que mantém o A Bela Sintra como estrela principal. E, naturalmente, sua grande escudeira foi a divertidaChef Ilda Vinagre, que é natural do Alentejo. Em seguida, foi eleito o prato para a Harmonização: o clássico Bacalhau à Lagareiro. Sua aparente simplicidade encerra a sofisticação sensorial, repleta de informações que se complementam se se reforçam mutuamente como as lâminas de alho, a batata ao murro e a intensidade que o azeite produz.

Diego escolheu o vinho Monte Cascas, 2009, elaborado exclusivamente com uvas Malvasia, e que foi a grande ousadia. É produzido em Colares, que dá nome à sua DOC. Detalhe: é, com certeza, uma das raras vinícolas que fica na região de Lisboa, que tem sua área metropolitana toda tomada pelos loteamentos imobiliários. Essa vinícola tem sua área de vinhedos tomabada, daí poder, mesmo que em pequena escala, produzir belos vinhos brancos como este!

Em geral, quando a equipe de produção da Revista Espresso inicia as conversas com o restaurante e seu chef para propor a Harmonização, o primeiro sentimento que se observa no semblante deles é o de surpresa ao saber que o Café fará parte. Houve caso em que um chef simplesmente desconsiderou a proposta por achar que se tratava de alguma “pegadinha”, deixando de atender o pessoal da produção…

No entanto, com a Chef Ilda Vinagre, foi exatamente o oposto que aconteceu. Ao comentar que ter uma boa xícara de café coado para acompanhar os pratos de bacalhau era um costume que aprendeu desde criança e que fazia parte da cultura da região! Ora, pois!!!

Para ela, a harmonização nada mais seria do que uma deliciosa volta à infância no Alentejo e que me fez tornar seu grande fã! Daí, fizemos também um brinde com o café!

Bem, escolhi um lote do café em grãos Mantissa, produzido pela Agro Fonte Alta, que extraí numa Hario V60. O Café, que tinha elegante notas florais como jasmim e bom fundo adocicado, foi muito bem com o Bacalhau, deixando a percepção de um surpreendente toque de canela ao final. E com o Vinho…. a harmonização ficou simplesmente bestial, resultando num inesquecível sabor de frutas em compota e especiarias, algo como damasco em calda polvilhado de canela.

Para saber mais, recomendo que leiam a Revista ESPRESSO #39, que tem muitas outras experiências interessantes!

Preparando um café ao estilo do tirol…

Thiago Sousa

As últimas semanas tem sido muito intensas, fazendo girar várias vezes o odômetro da minha mochila… daí o longo silêncio!

Para rompê-lo, vou comentar sobre um estilo de preparar café que conheci em Villa Rica, região da Selva Central Peruana.

Villa Rica é uma pequena cidade que fica a cerca de 1 hora de carro por sinuosas estradas de La Merced, na região de Chamchamayo, parte da Amazônia Peruana. O Café é cultura que faz parte do dia a dia dessa localidade, sendo sua principal fonte de renda e trabalho.

Há muitas décadas atrás, imigrantes alemães vindo doTirol se instalaram na área rural de Villa Rica, iniciando um impressionante trabalho de revolução agrícola na região. Uma das culturas escolhidas foi o café. Com a típica organização germânica, suas propriedades logo se destacaram em meio aos peruanos nativos pela produtividade e diversidade de produtos. Com o tempo, várias famílias começaram a construir casas na pequena Villa Rica, quando a arquitetura típica do Tirol, com telhados de grande inclinação e curvas, começou a se disseminar. Algumas famílias abriram negócios na cidade, entre elas pousadas e pequenos Cafés.

O primeiro café da manhã que experimentei em Villa Rica teve um serviço de café que ainda não conhecia e que é muito interessante. Um extrato concentrado de café é feito num bule em ágata composto de dois corpos cilíndricos, como pode ser visto na primeira foto. O extrato pronto fica em pequenos jarros com bico dosador semelhante aos que são usados para azeite, sendo vertido em xícaras com água quente. E assim se tem um café instantaneamente pronto!

A parte superior do bule possui um fundo em tela perfurada, onde é depositado o pó de café, que sofre uma compactação. Próximo à tampa, há um outro encaixe onde uma outra tela perfurada com furos maiores é instalada, servindo para distribuir uniformemente a àgua sobre o pó de café.

A água é vertida em várias etapas, podendo ser quente ou morna, conforme a preferência de cada um. Obviamente, a temperatura da água empregada fará com que diferentes resultados sejam obtidos no extrato. A grande maioria das pessoas prefere a água morna, tépida, que faz com que haja uma extração bastante eficiente dos açúcares e entre em equilíbrio com o ácido cítrico extraído na etapa inicial.

Como não poderia deixar de ser, aproveitei para fazer algumas experiências…

Como a camada de café moído é bastante espessa, um primeiro teste envolveu diferentes frações de moagem em cada camada. Outro teste envolveu temperaturas diferentes da água para cada, digamos, montagem das frações de café moído. Os resultados foram muito interessantes!

Deve ser lembrado que a temperatura da água é decisiva na eficiência de extração de determinados componentes nas partículas do café torrado e moído. Combinando com a moagem em camadas é possível realçar a acidez, tornando-a brilhante sem ser incômoda, ou, por vezes, fazendo licorosa, quando há uma prevalência dos açúcares.

Caso queira um extrato com menor de cafeína, basta trabalhar com a água a temperaturas mais baixas e moagem não tão fina.

Já disponível no Brasil, há uma releitura desse processo, que é o sistema TODDY, elaborado por um colega (sim!), o Engenheiro Químico Todd Simpson. Moderno e com design muito elegante, entrega resultados semelhantes aos originais tiroleses peruanos!

A cor do sabor doce

Thiago Sousa

A Visão, como sempre digo, é o mais bobinho dos nossos Cinco Sentidos, tanto que surgiu a chamadaIlusão de Ótica em razão das deficiências existenciais desse sentido.

Sim, nossa visão não é das melhores dentro do Reino Animal, perdendo de longe de animais como a Águia e o Falcão, para ficar somente nas aves. Estes dois tem para este sentido o padrão 20/2, que significa que possuem excepcional capacidade de visão panorâmica, ao mesmo tempo que ao focar em algo pontual, sua precisão se torna quase extraordinária e  impensável!

O padrão humano é praticamente 20/20, o que denota que nossa visão é bastante precária perante ao de uma águia. Com um padrão inferior de sensibilidade ou capacidade de captar as imagens, é de se esperar que também haja uma deficiência notável em determinadas situações onde a resposta aos estímulos captados pelo conjunto óptico deveria ser rápida. Isto sempre funciona dessa forma, isto é, uma coisa puxa a outra…

Daí para que os outros Sentidos possam ser ludibriados, ou melhor, ser induzidos pelo que a Visão captou e o Cérebro interpretou, é também algo muito previsível.

Um estudo feito por pesquisadores das  Universidades de Oxford e de Valencia e que foi publicado recentemente pelo Journal of Sensory Studies, teve resultados que mostraram que a percepção do sabor de uma bebida, no caso Chocolate Quente, se alterou em razão da cor da xícara empregada. Por exemplo, a bebida servida em uma xícara vermelha ou branca se mostrou MENOS DOCE do que nas servidas em laranja ou creme!

As principais diferenças observadas foram em relação à Doçura e ao Aroma. Uma das autoras do estudo, a psicóloga Betina Piqueras-Fiszman, pondera que “através de nossos sentidos apreendemos a cor, a textura e o cheiro dos alimentos, de forma que percepção do sabor é influenciada pelas informações sensoriais cruzadas”.

Internamente, todas as xícaras empregadas eram brancas por padrão, mudando-se a cor externa para o teste que foi aplicado em 57 voluntários.

Hummm… podemos analisar dois pontos importantes a partir desses resultados.

O primeiro ponto é que foram observadas influências em dois Sentidos que tem mecanismos muito diferentes de ação, que é oOlfato (= Nariz) para o Aroma e o Gosto ou Sabor Básico, portanto percebido exclusivamente na Boca, para o Sabor Doce. As coisas do Nariz, como costumo dizer, são resultado de uma experiência vivida, ou seja, é possível reconhecer um cheiro somente se você vivenciou uma situação em que esse cheiro estava presente e foi sentido. Caso contrário, não há como interpretá-lo…

Por outro lado, ao associar intensidades do Sabor Doce a determinadas cores, fica claro que um componente fortemente cultural se expressou.

O teste revelou, também, que o Café foi percebido como mais Encorpado quando servido em xícaras marrons que nas amarelas ou azuis.

O número de voluntários pode ser considerado pequeno. Portanto, gostaria de pedir que aos que se interessarem em fazer este teste, comentem sua percepção. O que será que acontecerá nos resultados quando o número de voluntários aumentar significativamente?

Nespresso, patentes, tecnologia & alternativos

Thiago Sousa

Tecnologia é o Conhecimento Aplicado a partir do que se tem à mão.

A todo momento surgem boas idéias que se convertem em produtos interessantes e que podem cair nas graças do consumidor. Quem é dono da Patente tem um tempo de dianteira ante a concorrência para, ao ter o mercado livre, se impor e recuperar o que foi investido.

Nesse meio tempo, a concorrência não pára, ávida por dissecar e conhecer o que genialmente foi concebido para pensar em aprimoramentos ou, simplesmente, copiar. A Sony criou o na época impressionante Walkman, que tinha como mídia a fita K-7 e que no filme Back to the Future (De Volta para o Futuro, no Brasil) o personagem Martin prega um susto em seu futuro pai quando este era adolescente. Todas as empresas de eletroeletrônicos copiaram e fizeram o seu, assim como vem acontecendo com o iPad e iPhone.

Há pouco mais de dez anos, as primeiras máquinas de sachê desembarcaram no Brasil. A italiana illy, conhecida no Brasil pelo concurso de qualidade que realiza entre os produtores e pela sua genial coleção de xícaras decoradas em edições anuais entre os consumidores, foi uma das empresas que mais difundiu o sistema, mostrando a praticidade de um sistema Monodose. Foi um furor. Alguns decretaram, inclusive, o fim dos baristas. Afinal, basta um dedo para acionar…

Quando uma indústria foi fundada no Brasil exclusivamente para prestar serviços para quem tivesse interesse em ter seu sachê, surgiram marcas e qualidade de toda espécie, contemplando mercados que antes desconheciam até então o Espresso.

O Projeto Nespresso é, na minha opinião, um dos mais arrojados e bem desenhados que conheço. Tive a oportunidade de dividir mesa nas reuniões do Technical Standards Committee da SCAA – Specialty Coffee Association of America com o incrível Orlando Garcia, uma das brilhantes mentes que o Grupo Nestlè mantém para pesquisa e desenvolvimento, e que me explicava todo o design desse projeto. Da concepção da bela cápsula em alumínio, com geometria calculada para promover perfeito turbilhonamento e resistência suficiente para suportar pressões hiperbáricas, às boutiques e seu sofisticado plano de marketing, tudo foi pensado e exaustivamente discutido.

O resultado não poderia ter sido outro, ainda mais sob generosa verba de promoção: Sucesso. Mais do que  isso, fez o conceito ganhar status de Sistema ou Modelo, assim como Gillette se tornou sinônimo de lâmina de barbear.

Na edição de 07 de fevereiro último, o Caderno Paladar (OESP) abriu ampla discussão sobre a queda das patentes que cercavam e ainda cercam o as Cápsulas e as Máquinas de Extração da Nespresso, a entrada de concorrentes de peso como a D. E. Master Blenders 1753 (leia-se Sara Lee) e a ascensão dos fornecedores alternativos locais de cápsulas. Todo esse movimento era mais do que previsto e óbvio, principalmente para os executivos da Nespresso, uma vez que a avidez com que a concorrência vinha se debruçando para estudar seus mecanismos de produção, seu coeso e metodicamente suiço processo industrial até a genial idéia de se identificar sabores contidos nas diferentes cápsulas por cores só crescia.

Ao final da leitura, bateu em mim um sentimento de frustração pela ausência de declarações da Nespresso, que com isso perdeu uma excepcional oportunidade de fazer de um limão, uma deliciosa Limonada Suissa!

O silêncio nesse momento foi por certo um sinal de fraqueza ante a amadora forma de competir dos alternativos, à exceção da gigante D. E. Master Blenders 1753. Eu esperava ler sobre um conceito novo, uma proposta original e agregadora que a Nespresso vem fazendo desde seu princípio, mesmo que o não se manifestar nesse momento seja parte de política interna.

Devo dizer que suas bebidas não são excepcionais, pois sua gigantesca escala industrial impede isso, porém tem a virtude de entregar o que propõe. Também desempenha importante papel pedagógico, pois é um dos itens preferidos dos jovens que entraram no mercado de trabalho e estão dispostos a fazer bom uso de seu salário, assim como tem feito quase que constantemente parte de listas de casamento. O didatismo com o qual o cliente Nespresso é tratado faz com que ele aprenda a experimentar diversidades, que é o primeiro passo para poder comparar e, assim, criar discernimento para evoluir em sua busca de novas experiências sensoriais. Em geral, neste ponto, ele migra para preparos em que pode trabalhar de forma lúdica as variáveis de extração, seja empregando grãos torrados por diferentes profissionais ou experimentando serviços modernos comoAeropress e Hario.

Em se falando da Hario, este é um sistema que caiu no gosto de todas as pessoas e tem hoje inúmeros copiadores. No entanto, essa tradicional empresa japonesa continua inovando ao incluir  novos produtos com design inspiradamente nipônicos, minimalistas e belos, em sua coleção anual. Sim, Hario hoje é sinônimo de um sistema de extração por coador que conquistou 10 entre 10 amantes do café, mas que se impõe no mercado pela expectativa que consegue criar para cada lançamento anual. Algo comoSteve Jobs fazia de forma personalista na Apple.

Para terminar, este é o link para o vídeo produzido pela equipe do Paladar. Ele é dividido em 2 partes: na primeira o barista Leo Moço mostra como ele prepara sua cápsula, enquanto que na segunda, o jornalista Daniel Telles tenta de jeito muito divertido fazer um refil da cápsula da Nespresso, sem sucesso. Aqui uma observação: por mais que fosse para uma simples demonstração, seria mais profissional da parte do barista Leo ter usado um jaleco e luvas, além de uma forração para a mesa de madeira. Seria algo como simples respeito ao consumidor, uma vez que o produto será vendido e, dessa forma, todos esperam que ele seja sempre manipulado da melhor forma possível. Pairou dúvida.

O fato de mostrar como ele faz o fechamento da cápsula alisando contra a superfície da mesa, dá ar muito mambembe ao produto, gerando uma sensação muito negativa. É diferente caso esta cena fosse feita em casa, entre amigos.

Se fosse dada atenção a estes importantes detalhes, a chamada para conquistar as pessoas teria sido perfeita.

Agenda do conhecimento São Paulo: Nossos cursos em 2013

Thiago Sousa

O Café conquistou definitivamente o posto como a Bebida Companheira de Todos os Momentos!

Consumo em alta, interesse tal e qual! Quanto mais se consome, mais se quer saber sobre QUEM produziu, ONDE e COMO foi produzido cada lote, a TÉCNICA DE TORRA empregada e, aí, sim, como selecionar um MÉTODO de EXTRAÇÃO bacana para cada esplêndido café.

Nossos Cursos Avançados, tradicionalmente realizados em São Paulo, SP, já tem agenda feita para 2013, justamente para facilitar o planejamento dos interessados.

No laboratório do CPC – Centro de Preparação de Cafédo Sindicafé de São Paulo, que utilizo como local para dois dos mais tradicionais cursos avançados, foi onde se realizou o primeiro Exame para Q Graders no Brasil, em novembro de 2007. Nessa época eu fazia parte do TSC – Technical Standards Committee da SCAA – Specialty Coffee Association of America e em aliança com a ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café, além desse exame, trouxemos também o de certificação para SCAA Cupping Judge.

Foi fantástico ter o primeiro Presidente da ABICAlmir Silva, com o título de Q Grader e Certified SCAA Cupping Judge!

O Curso Avançado de Educação Sensorial, conhecido como de Avançado de Avaliação Sensorial de Café com Metodologia SCAA,  terá novos exercícios e ganhou novos enfoques para tópicos comoPontos Críticos da Qualidade do Café, enquanto que  o de Ciência da Torra, indicado para Mestres de Torra, tem como novidade as Análises Sob Olhar Microscópico das Torras.

Anote as datas:

CURSO AVANÇADO DE EDUCAÇÃO SENSORIAL – AVALIAÇÃO DE CAFÉ COM METODOLOGIA SCAA

TURMA 20 – de 19 a 22 de Fevereiro.

TURMA 21 –  de 07 a 10 de Maio.

TURMA 22 – de 20 a 23 de Agosto.

TURMA 23 – de 19 a 22 de Novembro.

 

CURSO CIÊNCIA DA TORRA (UMA VISÃO AVANÇADA SOBRE TORRA)

TURMA 08 –  de 19 a 22 de Março.

TURMA 09 – de 11 a 14 de Junho.

TURMA 10 – de 24 a 27 de Setembro.

Para esses cursos, você pode ter mais informações junto ao CPC – Centro de Preparação de Café com a Adriana, através dos telefones 11-3258-7443 e 11-3125-3160 ou pelo email cpcsp@sindicafesp.com.br

Tem sido muito estimulante ter a participação nesses cursos de professores de Engenharia de Alimentos, Tecnologia de Alimentos e Gastronomia de  várias prestigiadas instituições públicas e privadas, dando maior diversidade e excelentes discussões técnicas.

Treinamento para Coffee Hunters (Caçadores de Café), que tem modelo baseado em cursos de MBA de escolas européias, é considerado hoje como o curso mais sofisticado e abrangente do mercado (são 130 horas-aula) e terá suas datas divulgadas a partir do final de março/início de abril.  A etapa A CAMPO deve ser realizada no pico da colheita e esta em geral é definida entre fevereiro e março de cada ano pelos humores climáticos, enquanto que a etapa EM LABORATÓRIO acontece em torno de 45 dias após o mergulho nos campos de café.

Café: Meu Bem, Meu Mal

Thiago Sousa

Você já deve ter observado como as opiniões dos médicos sobre os efeitos do café em nossa saúde mudam dramaticamente, saindo do Inferno ao Céu.

Parte dessa situação se deve ao fato de que muitas das pesquisas seguiram padrões nem sempre rigorosos quanto ao tipo de café empregado nos testes. Parece óbvio, porém, por muito tempo alguns cuidados básicos na seleção dos cafés (na realidade, das marcas usadas para essa finalidade) não eram observados e, assim, o resultado em geral se mostrava francamente negativo ao consumo dessa bebida.

Gostaria de apresentar alguns dos problemas básicos que podem tornar alguns lotes de café (como matéria prima) absolutamente não recomendáveis.

O primeiro grande problema é uma secagem mal feita das sementes e, para completar o desastre, uma armazenagem inadequada.

A semente deve ter sua secagem feita cuidadosamente para que se mantenham todas suas características sensoriais intactas. Secagem feito às pressas sob alta temperatura leva à morte inevitável, tanto que sua densidade fica muito abaixo da considerada ideal (ou seja, sua “alma” se foi desta para uma melhor…). A secagem lenta permite maior uniformidade da umidade no lote, o que não se observa na foto acima. A coloração branca é um indício claro de que a semente está passando por um crítico processo de oxidação (que pode ser entendida como sua morte lenta…), que pode ter se precipitado em razão de um local de armazenagem sem boas condições (umidade relativa do ar controlada, temperatura moderadas e ausência de luz).

Sabor chocho, sem graça, lembrando madeira (que é o gosto da Celulose) é o resultado na xícara.

Esta foto apresenta sementes em 3 momentos diferentes.

Observe a coloração mais clara da película que recobre o grão à direita: isso mostra que é de um Cereja Descascado (CD), fruto colhido maduro e que tem sua casca externa retirada para que a semente tenha a secagem mais rápida, mesmo com a presença da polpa. O risco é a possibilidade de uma Fermentação Acética, que dá o gosto indesejável de Vinagre, tanto que, para minimizar esta ocorrência, muitos produtores fazem a Desmucilagem (retirada da mucilagem ou polpa) por equipamentos.

O grão da esquerda tem película de coloração marrom, conhecida como Fox Bean. Típico de sementes secas com a casca externa, clássico processo conhecido por Natural, pode eventualmente surgir em sementes de frutos que foram descascados quando estavam entrando na fase Passa. A cor marrom que a película apresenta é explicada pela concentração da polpa ou mucilagem e a consequente cobertura feita pelos açúcares. As bebidas podem apresentar grande gama de sabores, muitos dos quais de natureza que lembram frutas amarelas e vermelhas, garantindo uma bela experiência sensorial.

O grão que está embaixo mostra película com coloração esverdeada. Este é um típico grão problema!

Assim como uma banana ou caqui verde, a sensação de forte adstringência é o que marca sua presença. De sabor muito desagradável como o de qualquer fruta verde, além do desconforto na boca, não tem substâncias das mais amigáveis para o estômago e companhia… Para enganar um pouco sua percepção quando parte de um blend de café pouco qualificado, faz-se uma torra bastante forte, carbonizada, mas que, com um pouco de atenção, não passa despercebida.

Mas, além do estímulo que a Cafeína pode provocar e que é considerada pouco recomendada para crianças (apesar da franca maioria de pais que oferece sem pestanejar copos de bebidas à base de Cola e que tem muito mais do que no café!!!), diversas pesquisas médicas apontavam o café como causador ou de promover problemas como aGastrite. Verdade?

Observe este grão. Esta foto foi preparada pela Profa. Lilian Duarte, do SENAI de Tecnologia de Alimentos, e mostra com rara nitidez uma semente de café em processo de necrose ou apodrecimento. Se você amarrar um barbante em seu dedo, apertar fortemente e assim deixar por alguns dias, certamente você terá ao final um dedo morto!

É exatamente o que aconteceu com esta semente, que sofreu ataque bacteriano em suas proteínas, gerando substâncias como os Compostos Fenólicos e que dão a chamada bebida Rio e Riada. Se o ataque foi severo, o cheiro típico de podridão aparece (é quando a bebida é conhecida por Riozona!) e que é devido à presença do Creosol (ou Creolina, nome comercial). Imagine que este foi a primeira substância usada como Desinfetante Hospitalar, isso na Inglaterra Vitoriana. Se faz uma excelente desinfecção, eliminando bactérias altamente nocivas e limpando o ambiente hospitalar, imagine o tamanho do desastre que pode fazer em seu estômago…

Infelizmente, grande parte dos cafés de preço mais competitivo tem a presença desse tipo de grão. Durante mais de 150 anos é o que o brasileiro médio bebeu e que ainda sistematicamente bebe em repartições públicas e locais que oferecem um “Cafezinho de Cortesia” repousado em garrafas térmicas. Infelizmente, o desprendimento de muitas empresas ainda não chegou a ponto de oferecer um café de alta qualidade, mas também não há necessidade de oferecer algo tão nocivo!

Ao menos, tenha o cuidado de escolher um café melhor, que certamente vai lhe trazer benefícios para sua saúde e, é claro, muito prazer em cada gole!

Não existe milagre nesta seara, por ora. Preço pode ajudar na seleção, porém experimentar (principalmente!) e trocar idéias com pessoas que tenham tido experiência com outras marcas ou lotes, é o caminho para o aprendizado.

É um pequeno grande luxo que você tem direito. Todos os dias!

Café para se assistir

Thiago Sousa

De tempos em tempos o Café é tema de filmes para as grandes telas do cinema, de documentários a outros que são pura diversão.

Certamente, um dos filmes que provocou mais impacto nos últimos anos foi BLACK GOLD, The Movie, dos irmãos Nic e Marc Francis, lançado em 2005.

Instigados pela impressionante diferença de valores praticados em cafeterias que eles frequentavam, como as da rede Starbucks, e o que os produtores recebiam em seus países, visto pelas cotações na Bolsa de New York (NY CSCE – New York Coffee, Sugar & Cocoa Exchange), os dois saíram em busca de informações para compor esse intrincado quebra cabeças.

Na Ethiopia, berço do café, conheceram Mr. Tadesse Meskela, gerente geral da Cooperativa de Oromia (www.oromiacoffeeunion.org), uma das mais bem estruturadas daquele país e que tem mais de 70 mil produtores associados. Tive a oportunidade de conhecer Mr. Tadesse em minha viagem aoYemen e é uma pessoa de grande visão de negócios, excelente articulador e muito expansivo. Ele é o fio condutor em boa parte do filme, apresentando a região de Oromia através de belas imagens, seus produtores e lavouras que se mesclam com as exuberantes florestas e suas viagens até Seattle, por exemplo.

Tomadas adicionais com cafeicultores mexicanos, de reunião da WTO – World Trade Organization, uma das Feiras da SCAA – Specialty Coffee Association of America e visitas a cafeterias e supermercados, questionando o formato de negociação entre comerciantes e cafeicultores, serviram de suporte para estimular os Movimentos Fair Trade e Direct Trade, que ganhou corpo principalmente entre as descoladas micro torrefações e cafeterias de Cafés Especiais da West Coast.

O mercado de café tem ciclos de preços, quando altas cotações se revezam com as baixas, em boa parte explicada pela relação de Oferta e Demanda desse precioso grão. Depois de atingir valores excepcionais até o início de 2012, as cotações na NY/CSCE experimentaram movimento descendente que tem preocupado e assustado os produtores. Houve plantio de novos cafezais e adoção de modernas e sofisticadas tecnologias para aumentar a produtividade no Brasil, tudo na esteira do entusiasmo que os altos preços alcançados pelas sacas de café cru podem provocar. Assim como aconteceu há 12 anos atrás.

Deve ser lembrado que as cotações na NY/CSCE são muito mais sinalizadoras para o chamadoMercado Comum ou Comoditizado, que é totalmente dominado pelas grandes empresas comerciantes e que atendem, também ao segmento conhecido como Grande Mercado, capitaneado por grandes corporações e suas famosas marcas globais. O alívio existe para o front dos Cafés Especiais, onde o relacionamento direto promove o reconhecimento do valor do ofício de todos.

Você pode saber mais e até adquirir o filme diretamente do website www.blackgoldmovie.com .

Em fase de Final Cut está o A FILM ABOUT COFFEE, de Brandon Loper, que procura traçar um panorama atualizado do mercado de café tendo como pano de fundo os Cafés Especiais. Com locações em Honduras, Japão e Estados Unidos, o documentário apresenta entrevistas com as pessoas que estão procurando moldar o novo mercado consumidor de café, como a Eileen Hassi, proprietária da emblemática microrrede premium Ritual de San Francisco, CA, USA.

Com visual moderno, belas imagens de lavouras de café e o esperado Indie Rock como parte da trilha sonora, Brandon, que é um talentoso diretor (vale a pena conferir seu Resumo 2012/Brandon Loper Reel 2012), dá destaque aos diferentes serviços  como HarioCoador de Pano (em cafeteria no Japão) e, é claro, Espresso, numa demonstração de como o consumidor também está se aprofundando na arte de simplesmente apreciar uma boa xícara de café. Este filme deve estrear neste 2013.

Para finalizar esta seleção, vale destacar uma vez mais o simpático e divertido COFFEE & CIGARETTES, comédia de Jim Jarmusch, lançada em 2003 e que tem um elenco estreladíssimo com Iggy Pop, Tom Waits, Cate Blanchet, Bill Murray e Alfred Molina, entre outros. Filmado em Preto & Branco, é composto por vários esquetes onde personagens passam o tempo em cafeterias bebendo café e fumando (alguns, muuuuuito!) cigarros.

Minha cena predileta é com a dupla Iggy Pop e Tom Waits. Deliciosa!

Os segredos contidos numa gota de café ou como fazer de 2013 um grande ano!

Thiago Sousa

O segredo de uma excelente extração de café está numa combinação do Perfil de Moagem das sementes torradas e do seu tempo de contato com a água.

Vale lembrar que o tamanho das partículas define a chamada Área de Contato, que é a área superficial que a água tem para envolver, penetrar e extrair os Sólidos Solúveis de seu interior. A partir desse conceito, fica claro que o tempo de contato tem importância muito grande na eficiência da extração, de modo que saber controlar o fluxo da água por entre as partículas é, antes de mais nada, puro domínio técnico!

Estando envolta e mergulhada no quente fluxo aquoso, as partículas experimentam expansão de seu volume devido à incorporação da água, facilitando o processo químico conhecido por solubilização, quando substâncias se mesclam à água, formando uma solução. Os ácidos, os açúcares e as moléculas que estimulam nossos sensores nasais provocando em nossa memória lembranças de flores e frutas são os componentes que mais facilmente se solubilizam em água.

Um experiente Mestre de Extração de Café deve reconhecer as notas aromáticas sutis para definir com que volume e velocidade verterá a água sobre o café moído.

Tal qual preparar uma deliciosa xícara de café, fazer com que um Novo Ano seja realmente grande, o princípio são as escolhas feitas, que no caso do café são os lotes que você elege como favoritos para o seu ritual. No começo é difícil saber qual café é mais bacana que outro, porém a experiência e a troca de informações com outras pessoas pode trazer mais luz e razão. Experimentar é preciso, pois é um aprendizado contínuo apreciar belos cafés.

Vem com a experiência a atenção aos detalhes, buscando também mais sutilezas em cada extração. Digo que cada extração pode ser uma interpretação particular que cada pessoa dá a um lote de café!

Que seja rápido, que seja com mais vagar, impulsivamente volumétrico ou com preciosismos na extração, tente sempre extrair o melhor de cada momento de 2013, pois eles são únicos…

Um Grande Ano Novo a todos!!!

Infográficos: Informação em visual divertido

Thiago Sousa

Nos últimos anos uma nova forma de apresentação de dados e informações começou a se popularizar em jornais, revistas e nos caminhos virtuais: os chamados INFOGRÁFICOS.

Os portais das agências de notícias mantém uma seção somente de Infográficos e muitas vezes com equipe própria para desenvolver materiais sobre os mais diferentes assuntos.

São sempre de visualização rápida, com bom lay out e informações agrupadas, receita que constitui 10 em 10 desses gráficos.

Porém, vez ou outra, as pessoas sentem a necessidade de ter algo físico, que pode ser tocado e manipulado, tornando a interatividade, digamos, ainda mais intensa e transformadora. Neste quesito, um dos materiais mais interessantes que surgiu nos últimos tempos é um poster chamado IN CAFFEINE WE TRUST (= Confiamos na Cafeína), destinado aos Coffee Loverse Coffee Geeks de plantão. Criativo projeto desenvolvido pelo Column Five Media (columnfivemedia.com), que tem diversos trabalhos muito bacanas em design gráfico, o poster In Caffeine We Trust permite anotar (ou simplesmente pintar com ajuda de um pincel e o próprio café que estiver bebendo!!!) dados como Origem dos Grãos, Serviço,  Concentração e até as experiências sensoriais que a cafeína lhe proporcionou! Uma excelente memória sensorial de consumo de café acaba sendo construída.

Caso tenha interesse em comprar um poster, deve fazê-lo pelo website do CFM por US$ 29.95 mais despacho internacional de US$ 20, mas é preciso avisar que o primeiro lote de 500 unidades já se foi…

Voltando aos infográficos virtuais, um bom exemplo foi desenvolvido e aplicado no Brasil no final deste Novembro.

Tem o título CAFÉ, MAIS QUE UMA BEBIDA, é de fácil leitura. Mesmo fazendo parte de um site de compras de uma grande loja, o trabalho merece aplausos por estimular o conhecimento do café. Existem algumas informações que não são tão interessantes, além de outras que poderiam ser incluídas como alguns dos lotes de cafés brasileiros realmente bacanas que estão à disposição dos consumidores.

De qualquer forma, valeu a boa intenção e o belo trabalho gráfico.

Torrando e avaliando cafés como profissional: APPs

Thiago Sousa

Tecnologia na ponta dos dedos.

Assim é o que os tablets e smartphones com tela sensível trabalham (ou como ouvi de adolescentes… “batendo no vidro…”), facilitando nossa vida. Com a dupla iPhone e iPad no mercado, muitos APPs para profissionais e os loucos por café foram surgindo, alguns muito interessantes, e vou comentar sobre 3 deles.

O primeiro é o COFFEE CUPPING, destinado aos que fazem avaliação sensorial de cafés crus com a Metologia SCAA – Specialty Coffee Association of America.

Ele permite que você insira dados básicos da amostra que será avaliada, ficando numa lista única de lotes avaliados. Aqui observa-se o primeiro problema: é recomendável colocar a data ou uma ordem cronológica para você encontrar um determinado relatório, caso contrário será necessário abrir arquivo por arquivo até encontrar o que procura.

Como este aplicativo baseia-se nos Protocolos SCAA, os onze itens avaliados podem ser movimentos por barra móvel. O primeiro de todos é o de Cor de Torra – Ponto SCAA-Agtron, que varia de 10 em 10 unidades. Ao se avaliar os outros atributos, é possível anotar suas percepções como notas de sabor e suas intensidades, por exemplo. Tal qual o Protocolo SCAA, as pontuações apresentam frações de 1/4 (0,25), porém ao se fazer o cálculo final, há um inesperado e inoportuno arredondamento da pontuação final!

Outros problemas graves: Se você tentar efetuar qualquer outra modificação em seu julgamento de um determinado atributo (por exemplo acidez, que pode ter sua percepção alterada conforme a temperatura do café avaliado cai), todos as outras informações automaticamente se perdem.

E, por fim, o mais grave de todos os problemas: ele deveria enviar o relatório por email. Deveria… mas, não faz! Infelizmente.

Aí você pode me perguntar: mas, vale a pena comprar, então?

Pelo valor, sim, pois eu, por exemplo, utilizo como memória da avaliação, facilitando no momento de emitir um Laudo Técnico. Se eu fizesse numa planilha em papel, como é usual, o trabalho seria o mesmo. Se você não é profissional, mas gostaria de ter uma idéia de como a seria usar a Planilha SCAA, este APP é bastante razoável para isso.

O  APP COFFEE JOURNAL permite trabalhar com diversas informações sobre um determinado lote de café que você adquiriu ou tenha torrado pessoalmente. Por exemplo, dados como nome do produtor e fazenda, certificações, variedade predominante no lote, notas de aromas e sabores, além de uma classificação automaticamente feita todas as vezes que você avaliar sensorialmente um café e pontuar.

Ao se fazer a avaliação, importantes dados como quantidade de café moído, quantidade de água, tipo de serviço, temperatura e tempo de extração podem ser anotados, bem como suas impressões.

No campo Avaliação são focados apenas os atributos Acidez, Aroma, Sabor, Corpo e Finalização, numa escala de zero a dez pontos, com variação de um ponto. No entanto, cada ponto na escala equivale a 2 pontos na pontuação final. A razão para isso é que os cafés avaliados devem ser supostamenteEspeciais (pela Metodologia SCAA são lotes que alcançaram ao menos 80 pontos SCAA). No pé da página fica a escala de torra, que varia de Cinnamon (torra clara, tom castanho) a Spanish (muuuuito torrado, batendo de longe o French!!!).

Para quem é apenas um grande apaixonado por café, é um APP altamente recomendável, além de ser eficiente e barato.

Para os Mestres de Torra, Aspirantes a e Geeks de plantão, o APPROASTMASTER é indispensável!

Permite trabalhar com um bom elenco de informações sobre o lote de café, desde sua origem como nome do produtor e da fazenda, região produtora, forma de secagem, certificações, variedade, características físicas da semente, além do valor de compra e um inventário de estoque. Informações muito úteis para o Mestre de Torra.

No entanto, a melhor parte está na anotação das Torras. É possível construir cada curva de torra com excelente grau de precisão, incluindo-se dados como a Carga Térmica, Ventilação e a Temperatura do Sistema por unidade de tempo. Para os que gostam, é possível anotar os momentos em que os Pops ou Cracks (Primeiro e Segundo) aconteceram. Todas essas informações ficam armazenadas para posterior consulta e análises.

Existe, também um inventário sobre a composição de diferentes Blends que o Mestre de Torra pode elaborar, interligando as diversas informações desde características da matéria prima, comportamento durante os ciclos de torra e avaliação sensorial de cada Lote-Componente.

A Avaliação Sensorial empregada é especialmente criada para Cafés Torrados, bastante diferente da Avaliação Sensorial de Café Cru (Green Coffee) como a da Metodologia SCAACup of Excellenceou COB – Classificação Oficial Brasileira. A que está no programa foi adaptada de uma metodologia que estava sendo desenvolvida pela SCAA anos atrás (e da qual participei como membro doTechnical Standards Committee). São verificados 5 atributos: Aroma, Sabor, Corpo, Acidez e Finalização.

Por tudo que apresenta, pela facilidade de manipulação, convergência de dados e estabilidade do programa, além do preço muito camarada, é APP obrigatório.

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida…- 3

Thiago Sousa

Um café processado gastricamente por um dócil elefante ou um irriquieto pássaro que por vezes ronda uma lavoura de café, será realmente tão delicioso na xícara?

E um café que foi produzido seguindo rigoroso procedimento de certificação de orgânicos, tem sempre bebida bacana?

Uma xícara de café feito de um lote que foi colhido somente por mulheres que tem o nome Maria durante a Lua Cheia, tem  de fato sabor especial?

Afinal, você sabe dizer o que existe em comum nestes três casos?

Todos fazem parte de uma classe conhecida por Produtos de Fé.

Produtos de Fé são aqueles em que a percepção de suas características sensoriais surge por meio de sugestão ou é induzida por uma crença num fato, numa filosofia ou mesmo através da visualização de um selo por parte do consumidor.

Se alguém lhe disser ou você ler um artigo que um café foi processado de uma determinada forma por algum animal e que o sabor resultante é exoticamente bom, você pode acabar acreditando que ele é realmente bom (ou talvez não, dependendo de sua resistência à persuasão…).

Esses produtos necessariamente precisam de pessoas que se impressionem facilmente com atributos que são basicamente quintessenciais, isto é, que se formam no imaginário e acabam se traduzindo em reações físicas, num processo conhecido por somatização. É exatamente o mesmo processo psicológico que acontece em testes com medicamentos onde parte do grupo recebe pílulas de placebo. Algumas pessoas tratadas com essas pílulas de amido puro chegam a manifestar reações positivas ao tratamento como se estivessem sob efeito do princípio ativo.

Esse é o poder da fé!

Um caso muito comum entre compradores de café em treinamento é o de superestimarem a qualidade de lotes quando provados na fazenda em que estão sendo recebidos. Essa, digamos, superestimação é devida a uma por vezes intrincada combinação de ambiente aconchegante, recepção festivamente gentil por parte do produtor e um sentimento de reciprocidade despertado no comprador. Quando as mesmas amostras são avaliadas no local de trabalho desse profissional, distante da bucólica paisagem por muitas horas de vôo transcontinental e com foco e razão em níveis normais, muitas vezes uma realidade não tão especial se manifesta nas xícaras.

No entanto, se notas de aroma e sabor são novamente percebidas como da primeira vez à mesa com o produtor, certamente um sentimento de êxtase vai imperar triunfante.

Esta é a técnica que experientes juízes degustadores adotam, o que muitos chamam de A Prova do Dia Seguinte!

Nada melhor do que uma boa noite de sono, que faz o espírito e as percepções renovarem o seu vigor e fazerem seu set up, para fazer uma nova rodada deavaliação e daí ter a certeza do perfil sensorial da bebida.

É por isso que você deve sempre confiar nos seus sentidos!

Se algo é realmente bom, de excelente resposta sensorial, não precisa de qualquer justificativa técnica.

O gostar é algo essencialmente pessoal, que nem sempre é pactuado entre as pessoas da mesma forma. Lembre-se que é estatisticamente nula a possibilidade de duas pessoas responderem a um mesmo estímulo sensorial, olfativo ou gustativo; respostas similares ocorrem quando as pessoas estão calibradas.

Não pode haver, tampouco, uma DITADURA DOS SABORES, que vez ou outra surge através de pessoas que acham que podem impor um determinado tipo de sabor como tendência…

Sabor não é moda, é Sensação Percebida!

Outra forma de não ter suas percepções embaçadas (esta foi uma expressão muito divertida que ouvi de uma aluna num dos cursos de Educação Sensorial!) é fazer uma prova às cegas com outros cafés (ou vinhos ou cachaças ou brigadeiros…). Neste caso, a magia que histórias mirabolantes de produção poderiam exercer sobre sua percepção, podem simplesmente sumir… como por encanto!

E prevalecerá o que realmente lhe agrada mais.

Experimente de tudo, confiando em seus sentidos!

Sempre.

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida…- 2

Thiago Sousa

Voltando ao Limiar de Percepção Diferencial ou da Diferença Minimamente Perceptível, vejamos outro exemplo: você já percebeu como ao colocar gotas de um potente molho de pimenta vermelha, como o ardente Tabasco, numa empadinha o impacto é imediato?

É a ardência se espalhando pela boca, fazendo alguns pontos formigarem e  sensação de queimação na língua (e no resto do corpo!). Simples efeito da Capsaicina.

No entanto, se você depois de alguns instantes repetir a dose, perceberá que o impacto é menor e tanto  o será na terceira vez. Nosso conjunto sensorial se ajusta rapidamente a esse, digamos, tamanho de impacto, de forma que para se perceber maior ardência é necessária uma dose maior de molho de pimenta na empadinha.

Assim também é como a percepção para o sabor Doce funciona, por exemplo, e para isso, é importante se conhecer as intensidades limites de percepção dos Sabores Básicos (= Gostos). Há um clássico estudo sobre o Limiar da Percepção dos Sabores Básicos pelo ser humano, que, por outra vez, é baseado em outro cujos resultados são conhecidos pelo nome de Aptidão Sensorial – Paladar, que ajudarão a compreender melhor a questão da Diferença Minimamente Perceptível.

Comentei que cada pessoa percebe de uma forma peculiar os Sabores Básicos (Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami) porque a percepção depende da, digamos, população de papilas na língua.

Existem 3 tipos de papilas e elas podem ter tamanhos variados, bem como sua distribuição pela língua, sendo isto tudo em razão das características genética de cada pessoa.

Considerando-se a multiplicidade de combinações entre tipos e tamanhos das papilas e sua densidade, chegou-se ao seguinte: 25% da população é considerada como Muito Aptos (incluindo-se as pessoas que trabalham com avaliação sensorial), 50% é considerada Aptos (ainda bem, pois isso já permite às indústrias de bebidas e alimentos desenvolverem seus produtos!) e 25% da população é de Pouco Aptos (pessoal que precisa de estímulos muito intensos para perceber os sabores).

A partir dessa constatação foi construída a tabela do Limiar dos Sabores Básicos, empregada pela indústria de alimentos e bebidas.

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O que se pode entender ao olhá-la atentamente, é que temos o menor limiar para o sabor DOCE, daí ser necessária quantidade maior para se sentir minimamente do que, por exemplo, o sabor ÁCIDO, para o qual nosso limiar é 650 vezes maior do que o do primeiro.

E quando falamos em Análise & Percepção Sensorial, o sabor de maior influência na contabilidade da Percepção de Qualidade é o Doce, vindo daí a importância dos açúcares. Há que se lembrar que o fruto do cafeeiro amadurece somente enquanto ligado à planta e que as melhores sementes, que serão depois torradas, são as dos frutos maduros. O fato de ser maduro está relacionado com o de ter sua máxima quantidade de açúcares. Sempre!

Vamos a um exemplo: o sabor de uma clássica uva Niágara é inconfundível. No entanto, é possível perceber que quando está madura todos as nuances da uva se tornam mais nítidas e, portanto, potentes. É o mesmo que ocorre ao experimentarmos jabuticabas ou pitangas.

Sementes selecionadas e torradas corretamente podem fazer xícaras fantásticas.

Um Café Especial (café cru), como visto, tem de alcançar no mínimo 80 pontos SCAA, o que significa que  é composto por sementes de frutos maduros em sua grande maioria. Torradas magistralmente, o perfil sensorial deve corresponder às expectativas. Tanto mais alta é a pontuação, significa que maior complexidade e intensidade de sabores se apresenta como uma boa acidez, notas florais, de caramelo e chocolate, também, ou de elegantes especiarias como canela ou anis. Claro está que esse jogo de complexidades é sustentado por um fundo obrigatoriamente doce, que garante uma percepção agradável. Ou, mais intensamente agradável!

Lotes de café de concurso atingem pontuação altíssima porque presume-se que tem a esmagadora maioria das sementes que o compõem maduras (tanto mais próximo de 100%, melhor!) e, logo, é de se esperar grande Doçura na bebida. Porém, como visto, a partir de um certo ponto, que fica na psicológica barreira dos 90 pontos SCAA, os aumentos de intensidade (sim, o que define para cima a pontuação passa a ser exclusivamente a INTENSIDADE das notas de aroma e sabor) se tornam pouco perceptíveis para a grande parte das pessoas.

E aí tem origem uma dúvida atroz: se fica tão sutil a diferença e, por isso, mais difícil de ser percebida, os valores alcançados em Leilão por esses lotes seriam realmente  justificáveis?

É até cruel pensar que muitas pessoas não perceberão nitidamente diferenças sensoriais de lotes que alcançaram, por exemplo, 93 ou 95 pontos SCAA e passem, então, a comparar com um que alcançou 87 pontos e que já era muito gostoso de se beber. Certamente, a opção de uma nova compra seria para este último lote, apesar de sua pontuação sensivelmente abaixo da primeira.

Mas deve ser pensado que é justamente a capacidade de chamar a atenção das pessoas o mérito dos leilões de concursos de qualidade. Especialistas escolheram um lote magnífico e que proporciona belíssimas experiências, desde que a torra e a extração estejam à altura; cabe ao consumidor perceber quão gostoso é esse café e torná-lo parte de sua memória viva.

Este é o verdadeiro prêmio que todo café busca!