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The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

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Café: Mitos, paradigmas e dogmas – 1

Thiago Sousa

A primeira bebida global. Isto é o café.

Imagine que há mais de 1.000 anos o cafeeiro é cultivado nas áridas montanhas do Yemen e nos altiplanos da Ethiopia, tendo o Porto de Mocha comooprincipal ponto comercial de suas sementes “não férteis” (isto porque não se permitia que as sementes circulassem para os destinos consumidores com a casca denominada pergaminho para evitar a propagação das plantas) por séculos até chegar à elite européia como bebida para estimular o espírito e daí, definitivamente, ganhar o mundo.

Com um histórico milenar, é natural que MitosParadigmas e atéDogmas surgissem em torno do Café, seja o café fruto do cafeeiro, seja o café a semente (ou grão cru) como matéria prima para a torrefação ou, ainda, o café bebida na xícara. A idéia central desta série de posts é justamente comentar o que faz ou não sentido (paradigmas e dogmas) e o que se torna folclórico (mitos).

Um dos Paradigmas mais conhecidos é o de que todo o café de boa qualidade produzido em nosso país é exportado, ficando apenas “o resto” para ser torrado. Faz sentido em boa parte.

Para se compreender melhor porque isso acontece, devemos lembrar que o Brasil assumiu posição de maior produtor mundial de café no último quarto do Século XIX, período que coincidiu com o fim do período Imperial, desbancando a até então soberana Indonésia e mantendo com folga até os dias de hoje essa liderança.  Sendo um produto voltado para o mercado internacional, a lógica de comércio que prevalece é a de que o que o que é vendido tem de ser de boa qualidade.

Quando você vai às compras, primeiramente verifica-se a qualidade do produto e, então, o seu preço, muitas vezes comparando com similares. Afinal, o cliente tem o poder de manter ou retirar o vendedor do mercado quando o ambiente é competitivo.  

Esta é a lógica de comercialização por parte do produtor. Os melhores lotes sempre são vendidos com maior facilidade. E sendo o Brasil um país produtor, é natural que a oferta de matéria prima para a indústria local é grande, desde grãos de boa qualidade aos terrivelmente ruins como os fermentados ou fraudulentos como cascas externas, que muitas vezes carregam grande quantidade de açúcares da polpa seca, conhecida como palha melosa. Ainda é muito comum entre os cafeicultores deixarem para seu consumo (isso mesmo, para oferecer aos visitantes de sua propriedade!) os piores lotes como os chamados Fundos e Quebrados, Fundo de Ventilação (onde ficam muitos dos verde-pretos) e suas variações. Em casa de ferreiro, espeto de pau!

Formou-se um círculo vicioso composto por produtores que fornecem estes produtos sofríveis e até de má-fé, torrefações de baixa categoria que acreditam que ganharão espaço vendendo um produto de preço competitivo (= barato), porém com total ausência de boa qualidade de bebida.

Neste ponto, a IN-16 (Instrução Normativa) do MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que define especificações e normas para o café industrializado, vem para arrumar o mercado. Assim esperamos.  Indústrias que respeitam o consumidor não tem o que temer, sendo a IN-16 capaz de coibir fraudes que empregam misturas pouco recomendáveis no café torrado e moído. 

Mas o cenário mudou bastante nos últimos 12 anos no Brasil. A crise de preços que aconteceu no início deste milênio e que perdurou até meados de 2004 estimulou o surgimento de um novo participante em nosso mercado: a pequena torrefação de cafeicultores. Como se diz no interior: “o sapo não pula por boniteza, mas por precisão (= por necessidade)” …

Premidos pelos baixos preços, quase não cobrindo as despesas de produção, alguns cafeicultores lançaram-se ao mercado de café torrado. O segmento de espresso experimentava grande expansão e com a melhora da economia brasileira, o poder de compra turbinado da população também estimulou a experimentação por produtos e serviços mais sofisticados. Marcas como Pessegueiro e Orfeu, por exemplo, tornaram-se casos de sucesso, levando de quebra como mensagem adicional o fato dos grãos de café serem de um produtor identificado.  

Hoje muitos lotes excepcionais de café ficam em nosso país, adquiridos por torrefações de cafés especiais e cafeterias que procuram oferecer o que há de melhor. Casas como Suplicy e Santo Grão, em São Paulo, Lucca, de Curitiba, Rubro, do Rio de Janeiro, e, fora desse eixo, a novata mas surpreendente Ateliê do Grão, de Goiânia, oferecem cafés maravilhosos como encontráveis em suas irmãs norte-americanas ou do norte europeu. E outras casas em diversos outros Estados e no interiorzão estão surgindo aos borbotões num saudável movimento.

Ou seja, é um paradigma que está mudando rapidamente…